A decepção de, como se diz em
futebolês, termos "morrido na praia" e o gosto enorme por essa coisa mágica
que se chama futebol, deixaram-me, entre a reparação e a nostalgia, a olhar
para dentro.
Com uma ponta de saudade comecei a lembrar-me,
não sei dizer porquê, dos meus tempos de escola primária e da minha grande
paixão dessa época, a bola de futebol.
Não era fácil para a maioria de
nós termos bolas de futebol a sério, na maioria das vezes jogávamos com a velha
bola de trapos. A partir de certa altura começaram a aparecer uns cromos que
vinham nuns rebuçados, intragáveis de tanto doce, que a D. Maria vendia no seu
lugar, a lojinha onde comprávamos quase tudo, ainda não se tinham inventado as
grande superfícies comerciais. No fundo
da lata dos rebuçados dos cromos, estava sempre colado um, que seria o último
rebuçado a ser vendido e que dava direito a uma bola de futebol feita em cautchu,
algo de inovador e inacessível à compra directa pela maioria de nós.
Quando a vigilância apertada
sobre a venda de rebuçados pela D. Maria do Lugar sugeria que se estava perto
do fim da lata, pegávamos nas economias que íamos fazendo com a venda no
ferro-velho de algum cobre e latão que juntávamos e íamos em grupo “arrematar”
a lata, isto é comprar todos os rebuçados que ainda estavam na lata e aceder,
assim, à bola de cautchu.
A bola ficava cada dia em casa de
um de nós. Quando chegava a minha vez ela dormia ao lado da minha almofada. E
eu sonhava a noite toda com a “minha” bola de cautchu. Foram uns tempos tão
bonitos.
Marquei golos fantásticos nos melhores
campos do mundo. Até cheguei a jogar no campo do Real Madrid, onde marquei um
golo depois de fintar a equipa adversária quase toda. Lembro-me tão bem, o
Puskas abraça-me e diz-me “boa miúdo”. E aquela gente toda a aplaudir. Nestes
sonhos que a minha bola de cautchu me proporcionava só não gostava da forma
como quase sempre acabavam, a voz do meu pai a avisar-me, à saída para o
trabalho, para me levantar para ir para a escola, com a minha bola de cautchu
debaixo do braço, é claro, Ninguém entrava na escola tão bem acompanhado como
eu.
Já estou melhor, amanhã é outro
dia, mais um, antes do próximo, de um tempo que queremos ver passado depressa.
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