Segundo o Relatório da Inspecção-Geral das
Actividades em Saúde relativo a 2011, existem "fortes indícios" de
que, quer em estruturas do SNS, quer em estruturas clínicas convencionadas, sejam
produzidos atestados médicos "sem evidência de acto/contacto clínico,
omissão que pode, eventualmente, sugerir a emissão de atestados de
complacência”.
Com alguma regularidade surgem na imprensa
referências a esta prática, tão nossa, tão familiar, o recurso ao "atestadozinho"
que certifique incapacidade temporária para trabalhar.
Creio que todos temos uma percepção clara de que a utilização
da baixa é apenas mais um dos muitos "esquemas" em que vivemos
mergulhados. A baixa permite o biscate que compõe orçamentos familiares,
liberta uns diazinhos de descanso, etc., e, é bom que se diga, trata-se de um
fenómeno que atravessa várias estratos sociais.
Há alguns meses noticiava-se a existências de
milhares de casos de baixa médica que não resistiram a uma acção de
fiscalização, trata-se da cultura instalada e da relação ética com o trabalho,
trata-se do "porreirismo" e, finalmente, da impunidade e bonomia
laxista com que tudo isto é encarado.
Por outro lado, apesar da dificuldade dos
clínicos na avaliação de sintomas eventualmente impeditivos de trabalho, também
todos conhecemos casos, muitos casos, de baixa consciência deontológica, para
ser simpático, de médicos que de forma leviana assinam baixas médicas com a
maior das facilidades. Em muitos locais se conhecem uns "doutores" a
quem recorrer para arranjar um "atestadozinho".
No final do ano passado a Ordem dos Médicos anunciou
a intenção de apresentar uma proposta ao Ministério da Saúde no sentido de
dispensar a exigência de atestado médico impeditivo de trabalho em algumas
circunstâncias clínicas, como casos de gripe ou enxaquecas. A proposta radicava,
de forma sintética em duas ordens de razões, a sobrecarga dos serviços com
estes pedidos e a dificuldade que em alguns quadros clínicos o próprio médico terá
em atestar a impossibilidade de trabalho. Assim, a proposta da Ordem remete
para responsabilidade do cidadão ou seja, para sua consciência ética e
deontológica, bem como dos próprios clínicos. É aqui que, do meu ponto de vista
reside a questão.
Eu ainda
gostava de viver num tempo em que a proposta da Ordem dos Médicos no sentido do
cidadão avaliar as suas próprias condições para trabalhar, fosse a regra e
aceite sem desconfiança. No entanto, como sempre afirmo, a realidade não é a
projecção dos meus desejos.
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