quinta-feira, 28 de junho de 2012

O ATESTADOZINHO

Segundo o Relatório da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde relativo a 2011, existem "fortes indícios" de que, quer em estruturas do SNS, quer em estruturas clínicas convencionadas, sejam produzidos atestados médicos "sem evidência de acto/contacto clínico, omissão que pode, eventualmente, sugerir a emissão de atestados de complacência”.
Com alguma regularidade surgem na imprensa referências a esta prática, tão nossa, tão familiar, o recurso ao "atestadozinho" que certifique incapacidade temporária para trabalhar.
Creio que todos temos uma percepção clara de que a utilização da baixa é apenas mais um dos muitos "esquemas" em que vivemos mergulhados. A baixa permite o biscate que compõe orçamentos familiares, liberta uns diazinhos de descanso, etc., e, é bom que se diga, trata-se de um fenómeno que atravessa várias estratos sociais.
Há alguns meses noticiava-se a existências de milhares de casos de baixa médica que não resistiram a uma acção de fiscalização, trata-se da cultura instalada e da relação ética com o trabalho, trata-se do "porreirismo" e, finalmente, da impunidade e bonomia laxista com que tudo isto é encarado.
Por outro lado, apesar da dificuldade dos clínicos na avaliação de sintomas eventualmente impeditivos de trabalho, também todos conhecemos casos, muitos casos, de baixa consciência deontológica, para ser simpático, de médicos que de forma leviana assinam baixas médicas com a maior das facilidades. Em muitos locais se conhecem uns "doutores" a quem recorrer para arranjar um "atestadozinho".
No final do ano passado a Ordem dos Médicos anunciou a intenção de apresentar uma proposta ao Ministério da Saúde no sentido de dispensar a exigência de atestado médico impeditivo de trabalho em algumas circunstâncias clínicas, como casos de gripe ou enxaquecas. A proposta radicava, de forma sintética em duas ordens de razões, a sobrecarga dos serviços com estes pedidos e a dificuldade que em alguns quadros clínicos o próprio médico terá em atestar a impossibilidade de trabalho. Assim, a proposta da Ordem remete para responsabilidade do cidadão ou seja, para sua consciência ética e deontológica, bem como dos próprios clínicos. É aqui que, do meu ponto de vista reside a questão.
 Eu ainda gostava de viver num tempo em que a proposta da Ordem dos Médicos no sentido do cidadão avaliar as suas próprias condições para trabalhar, fosse a regra e aceite sem desconfiança. No entanto, como sempre afirmo, a realidade não é a projecção dos meus desejos.

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