Do discurso do Primeiro-ministro, depois da
reunião de balanço do primeiro ano de governo, relevam duas ideias centrais,
"estamos a cumprir os objectivos" e o "caminho não pode ser
outro".
Nas últimas semanas têm-se multiplicado
intervenções de responsáveis ministeriais passando a ideia de que o pior está
ultrapassado, estamos a dar a volta, etc. Recordemos as afirmações sobre o bom
andamento do país, comprovado pela avaliação positiva da troika. O
Primeiro-ministro informou que se vislumbram sinais de mudança e que "os
portugueses já não estão à beira do abismo". A questão é que a
generalidade das pessoas não parece tão optimista. Aliás, os diferentes
indicadores disponíveis sobre percepção sobre a qualidade de vida dos
portugueses estão longe de ser compatíveis com a "avaliação muito
positiva" da realidade do país, embora eu saiba que se trata de uma
questão de perspectiva, a agenda da troika e de boa parte das políticas em curso
visam os mercados e não as pessoas. As declarações sobre os "bons
resultados" são no mínimo estranhas quando as previsões do próprio Governo
para o maior flagelo das dificuldades, o desemprego, ainda são de aumento para
o próximo ano.
É evidente que se espera das lideranças um
discurso mobilizador e que promova confiança, mas esse discurso tem que se
manter dentro dos níveis de realismo que lhe dá consistência e credibilidade.
Em diferentes ocasiões tenho referido no Atenta
Inquietude a importância do que tenho designado exactamente por uma dimensão
psicológica da crise, a confiança, ou, mais claramente, a falta de confiança.
Esta importância verifica-se em termos individuais, quando nos sentimos
confiantes, sentimo-nos mais capazes, verifica-se em termos de grupo, a título
de exemplo, uma equipa de futebol confiante será seguramente mais eficaz,
verifica-se de forma genérica em qualquer instituição e, finalmente, poderemos
também dizer que sociedades mais confiantes sentir-se-ão mais capazes de
enfrentar dificuldades.
Assim sendo, parece importante que as lideranças,
entre todas as suas competências e acções, sejam capazes e competentes no
sentido de transmitir confiança. Acontece que as nossas lideranças, em matéria
tão importante, subordinam, como sempre, as suas acções aos interesses
imediatos, sobretudo partidários, ou seja, basicamente, quem governa faz
discursos excessivamente optimistas, que muitas vezes parecem negar a
realidade, pintando-a de rosa e quem está na oposição produz discursos e visões
catastrofistas. Qualquer destes discursos dão um péssimo contributo à confiança
realista e informada que precisamos de sentir face a dificuldades e a desafios
complexos.
Nos últimos tempos, em que se têm acentuado as
consequências dramáticas da crise a nível do emprego e da diminuição dos apoios
sociais por exemplo, seria ainda mais necessário um discurso que contribuísse
para identificar um rumo e promovesse e envolvesse os cidadãos na convicção e
confiança de que seremos certamente capazes de ultrapassar, ainda que com
momentos dolorosos, os tempos que vivemos.
O problema é que muita desta gente e dos seus
discursos e comportamentos são parte do problema, dificilmente serão parte da
solução como temos vindo a constatar.
Depois de vários anos de desemprego, dezenas de
entrevistas e currículos enviados, uma idade "proibida" no mercado de
trabalho, a dignidade de rastos, uma família afectada, parece difícil aceitar
que "o caminho não pode ser outro", ou que "estamos a cumprir os
objectivos". Os objectivos de quem? O caminho para onde? Tudo o que é
estabelecido por uns burocratas sem alma nem ética em nome dos mercados, cujos
interesses devem acautelados para que não fiquem nervosos.
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