No mesmo dia em que a troika faz uma avaliação
positiva do negócio que nos impôs sob o título de “programa de ajustamento e
ajuda” e solicita, exige, medidas de maior flexibilização do trabalho, sabe-se
que o número de pessoas que tendo deixado de receber o RSI e dele voltam a
necessitar, tem subido exponencialmente. Se bem que o número de abrangidos tenha
vindo a baixar por conta das restrições ao seu acesso, os dados disponíveis são,
como era esperado, inquietantes.
Considerando os dados e as previsões conhecidas a
situação global é dramática e pode, como hoje se referia num trabalho do
Público, comprometer a coesão social com consequências imprevisíveis.
O desemprego parece, aqui estabelece-se consenso,
a mais devastadora consequência da crise. A taxa de desemprego ronda os 16%,
boa parte de longa duração, entre os jovens e segundo o INE é de 36.2 % mas admite-se
um nível de desemprego real de 44.7% para os mais novos. Verificou-se uma
subida exponencial do número de casais em que ambos estão desempregados e nos
últimos 12 meses perderam-se mais de 200 000 empregos. À taxa real de
desemprego devem juntar-se também umas centenas de milhar de pessoas que já desistiram
de procurar emprego, não constando das estatísticas. O número total de
inactivos deve rondar segundo as estimativas um milhão e trezentas mil pessoas.
Um quadro muito, muito, negro.
Sabe-se também que é crescente o número de
desempregados que não auferem subsídio de desemprego e que se estima em perto
de meio milhão. Este número estará em crescimento, pois começa a esgotar-se o
período em que se usufrui de subsídio, entretanto encurtado, envolvendo as
pessoas que caíram no desemprego a partir de 2009, o ano em que os aspectos
mais gravosos da crise nos começaram a atingir. Acresce que os valores médios
de subsídio de desemprego também estão a baixar.
A exigência de maior flexibilização do trabalho e
a insistência cega na austeridade, assumindo o governo um aumento do desemprego,
contribuem para este quadro impressionante, que alguns referem como uma “bomba
social”, e que levanta uma terrível e angustiante questão, os milhares, muitos,
de pessoas envolvidas vão (sobre)viver de quê?
Afirmo com frequência que uma das consequências
menos quantificável das dificuldades económicas, sobretudo do desemprego, em
particular o de longa duração e de situações em que o tempo obriga a perder o
subsídio, é o roubo da dignidade às pessoas envolvidas. Sabemos que se verifica
oportunismo e fraude no acesso aos apoios sociais, também no RIS, mas a
esmagadora maioria das pessoas sentem a sua dignidade ameaçada quando está em
causa a sobrevivência a que só se acede pela “mão estendida” que envergonha,
exactamente por uma questão de dignidade roubada.
A questão da pobreza é um terreno que se presta a
discursos fáceis, de natureza populista e ou demagógica, sem dúvida. Mas também
não tenho dúvidas de que os problemas gravíssimos de pobreza que perto de dois
milhões de portugueses conhecem, exigem uma recentração de prioridades e
políticas que não se vislumbra. A obsessiva austeridade do "custe o que
custar" está a produzir este cenário. De forma quase insultuosa e obscena
alguns governantes insistem, no "não está bem, mude-se, pire-se,
emigre" e até já ouvimos referências a “abandonar a sua zona de
conforto". Zona de conforto?! Sem presente e sem futuro, zona de
conforto?! Tenham tento e respeito pela dignidade.
A pobreza e a exclusão deveriam envergonhar-nos a
todos, a começar por quem lidera, representam o maior falhanço das sociedades
actuais. A liderança que transforma é uma liderança com responsabilidade social
e com sentido ético, dimensão em desuso nos tempos que correm.
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