segunda-feira, 4 de junho de 2012

BOMBA SOCIAL

No mesmo dia em que a troika faz uma avaliação positiva do negócio que nos impôs sob o título de “programa de ajustamento e ajuda” e solicita, exige, medidas de maior flexibilização do trabalho, sabe-se que o número de pessoas que tendo deixado de receber o RSI e dele voltam a necessitar, tem subido exponencialmente. Se bem que o número de abrangidos tenha vindo a baixar por conta das restrições ao seu acesso, os dados disponíveis são, como era esperado, inquietantes.
Considerando os dados e as previsões conhecidas a situação global é dramática e pode, como hoje se referia num trabalho do Público, comprometer a coesão social com consequências imprevisíveis.
O desemprego parece, aqui estabelece-se consenso, a mais devastadora consequência da crise. A taxa de desemprego ronda os 16%, boa parte de longa duração, entre os jovens e segundo o INE é de 36.2 % mas admite-se um nível de desemprego real de 44.7% para os mais novos. Verificou-se uma subida exponencial do número de casais em que ambos estão desempregados e nos últimos 12 meses perderam-se mais de 200 000 empregos. À taxa real de desemprego devem juntar-se também umas centenas de milhar de pessoas que já desistiram de procurar emprego, não constando das estatísticas. O número total de inactivos deve rondar segundo as estimativas um milhão e trezentas mil pessoas. Um quadro muito, muito, negro.
Sabe-se também que é crescente o número de desempregados que não auferem subsídio de desemprego e que se estima em perto de meio milhão. Este número estará em crescimento, pois começa a esgotar-se o período em que se usufrui de subsídio, entretanto encurtado, envolvendo as pessoas que caíram no desemprego a partir de 2009, o ano em que os aspectos mais gravosos da crise nos começaram a atingir. Acresce que os valores médios de subsídio de desemprego também estão a baixar.
A exigência de maior flexibilização do trabalho e a insistência cega na austeridade, assumindo o governo um aumento do desemprego, contribuem para este quadro impressionante, que alguns referem como uma “bomba social”, e que levanta uma terrível e angustiante questão, os milhares, muitos, de pessoas envolvidas vão (sobre)viver de quê?
Afirmo com frequência que uma das consequências menos quantificável das dificuldades económicas, sobretudo do desemprego, em particular o de longa duração e de situações em que o tempo obriga a perder o subsídio, é o roubo da dignidade às pessoas envolvidas. Sabemos que se verifica oportunismo e fraude no acesso aos apoios sociais, também no RIS, mas a esmagadora maioria das pessoas sentem a sua dignidade ameaçada quando está em causa a sobrevivência a que só se acede pela “mão estendida” que envergonha, exactamente por uma questão de dignidade roubada.
A questão da pobreza é um terreno que se presta a discursos fáceis, de natureza populista e ou demagógica, sem dúvida. Mas também não tenho dúvidas de que os problemas gravíssimos de pobreza que perto de dois milhões de portugueses conhecem, exigem uma recentração de prioridades e políticas que não se vislumbra. A obsessiva austeridade do "custe o que custar" está a produzir este cenário. De forma quase insultuosa e obscena alguns governantes insistem, no "não está bem, mude-se, pire-se, emigre" e até já ouvimos referências a “abandonar a sua zona de conforto". Zona de conforto?! Sem presente e sem futuro, zona de conforto?! Tenham tento e respeito pela dignidade.
A pobreza e a exclusão deveriam envergonhar-nos a todos, a começar por quem lidera, representam o maior falhanço das sociedades actuais. A liderança que transforma é uma liderança com responsabilidade social e com sentido ético, dimensão em desuso nos tempos que correm.

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