quarta-feira, 6 de junho de 2012

SCHOOL'S OCEAN RACE

Após mais um período de amplo diálogo e estabelecimento de consensos, o MEC decidiu abrir a School's Ocean Race neste oceano encapelado que é o nosso sistema educativo pelo que as escolas devem começar a posicionar-se.
Com base num desejável princípio de autonomia, o MEC, em normativo publicado ontem, confere às escolas a possibilidade de construírem uma espécie de banco de horas, (donde conheço eu esta expressão?), crédito horário como lhe chama, que poderão usar em projectos ou actividades que se inscrevam nos seus projectos educativos.
A forma como se estabelece este crédito assenta na estimulante fórmula CT = K × CAP + EFI + T em que: K decorre da estrutura etária e tempo de serviço dos docentes da escola; CAP decorre dos indicadores de gestão e é calculado com uma outra fórmula envolvendo a CL, componente lectiva, a HSV, capacidade lectiva teórica e RCL, o somatório das horas de redução; EFI - um Indicador de Eficácia Educativa que considera os resultados dos alunos nos exames nacionais, as diferenças entre os resultados internos e externos e a comparação do nível de variação dos resultados dos alunos com a média nacional ou com o ano anterior; finalmente, T decorre do número de turmas.
Não está escrito, mas pressupõe-se, evidentemente, que estes cálculos devem ser realizados sem o recurso à máquina calculadora.
Na verdade, de acordo com o zeitgeist instala-se a School's Race, a competição, os resultados como Objectivo Supremo. Se bem repararmos, apesar da retórica da autonomia, a fórmula assenta exclusivamente na medida dos resultados ou em parâmetros administrativos, ou seja, num país educativo dividido em TEIPs, alguns Territórios Educativos de Intervenção Prioritária e outros Territórios Educativos com a Intervenção Possível, as características sociais e contextuais das comunidades educativas estão ausentes, ou seja, o MEC considera que escolas com determinado tipo de população discente mais problematizada, quase sempre mal classificadas nos famigerados rankings, com equipas docentes mais instáveis, mais jovens e inexperientes, um dos critérios da fórmula, vão competir pelos créditos horários da mesma forma que escolas com outro tipo de população, com equipas docentes experientes, estáveis e com bons resultados anteriores que as colocarão em melhor posição na grelha de partida. Como perspectiva de diferenciação e autonomia é, no mínimo estranho, embora, na verdade, não estranhe.
Do meu ponto de vista e gostava de estar enganado, o  modelo agora conhecido sustentará práticas de várias escolas públicas que recusam a matrícula de alunos em idade de escolaridade obrigatória com base em critérios de “pedigree” escolar ou que são “sensíveis” aos pedidos de ingresso por parte de famílias de alunos com bom currículo, por assim dizer, correndo-se o risco de alimentar um cenário de escolas “guetizadas” num sentido ou noutro, umas que recebem predominantemente bons alunos que por sua vez também lhes permite ter mais crédito horário que alimentarão melhores resultados num círculo que dificilmente se quebrará.
Como afirma Biesta numa obra notável, de leitura recomendada para os ocupantes da 5 de Outubro, "Good Education in a Age of Measurement - Ethics, Politics, Democracy",  uma obsessão centrada na medida, assenta na gestão continuada desta dúvida, "medimos o que valorizamos ou valorizamos o que medimos?"
A política recente do MEC é clara, medir, medir tudo, esquecendo um princípio que os burocratas do MEC considerarão, no mínimo, romântico, quando se trata de pessoas, o melhor instrumento de medida que se possa construir, continuará apenas "medir" uma amostra do que alguém pensa, sabe, sente ou é, miúdos ou graúdos. Dito de outra maneira, os processos educativos são em mais complexos e não cabem numa fórmula, ou conjunto de fórmulas. Se assim fosse, não seriam necessários professores ou ... políticas educativas que pressupõem escolhas, conhecimentos, valores éticos e morais, etc., bastariam uns burocratas a papaguear aulas, outros burocratas a medir saberes e uns outros a construir fórmulas de gestão num qualquer serviço central.
Está pois aberta a corrida, viciada, entre as escolas, "on your marks".

5 comentários:

Rui Correia disse...

Belíssimo e certeiríssimo depoimento que subscrevo na totalidade. Cumpriria evocar aqui a obra de Max van Manen para se perceber como nos distanciamos do que verdadeiramente avulta para o estabelecimento de uma pragmática pedagógica de sucesso, mensurável finalmente nos seus efeitos que realmente relevam.

Anónimo disse...

Voltamos ao ensino para o sucesso no exame. E que fazer com os que, irremediávelmente, se furtam a tal?

Ivone Melo

Anónimo disse...

irremediavelmente

Ivone Melo

Anónimo disse...

Talvez o "velho do Restelo" te apoie.
Tenta!

Anónimo disse...

Pois é, no ensino básico é assim. Depois, em alguns casos, no ensino superior nem é preciso lá e tem-se um curso!! Demitimos os professores, os alunos, mas não podemos demitir os ministros.