Na imprensa de hoje é referido o Relatório do
Observatório de Mulheres Assassinadas relativo a 2011. Registaram-se 27 mortes
em contextos de violência doméstica, um número menor que o de 2010, 43 casos, e
contabilizam-se 4 queixas de violência doméstica por hora apresentadas às
autoridades. Segundo o último Relatório Anual de Segurança Interna,
verificou-se um decréscimo de participações de casos de violência doméstica
embora na UMAR, União das Mulheres Alternativa e Resposta, os pedidos de apoio tenham
subido 20%. Parece acentuar-se a desconfiança face ao sistema de justiça,
apenas 10 a 15 % recorrem ao apoio e muitas pessoas afirmam que queixas
anteriores foram inconsequentes. Do total de inquéritos instaurados apenas 20%
chegam a julgamento que, com frequência, terminam com condenações. Quando se
verificam condenações a maioria é a pena suspensa, veja-se que de 58 sentenças
em processos-crime por violência doméstica relatadas à DGAI no primeiro
trimestre de 2011, 52 por cento foram absolvições e 48 por cento condenações.
Das condenações, apenas 6% merecem pena de prisão efectiva.
No entanto, de acordo ainda com o Relatório da
Associação Portuguesa de Apoio à Vítima sobre 2011, o número de casos
reportados de violência doméstica continua aumentar sendo ainda de registar um
aumento muito significativo mais de 50% de denúncias realizadas por homens.
Por diferentes ordens de razões e embora a
realidade se vá modificando lentamente, veja-se o aumento de denúncias por
parte dos homens, parece assumir-se ainda uma espécie de fatalidade face à
tolerância do crime de violência doméstica dirigida às mulheres, mas não só,
provavelmente. Esta tolerância relativiza-se à dificuldade de prova, ao sistema
de valores e situação de dependência emocional e económica de muitas das
vítimas, à atitude conservadora de alguns juízes, etc. Permanece ainda com
alguma frequência a dificuldade de promover a retirada do agressor do ambiente
doméstico, procedendo-se à saída da vítima numa espécie de dupla violência que,
aliás, também se verifica em situações de maus tratos a crianças, em que o
agressor fica em casa e a criança é “expulsa”.
O quadro é dramático mas não surpreende. Um dos
mais devastadores efeitos da situação da nossa justiça é a instalação de um
sentimento de impunidade generalizado com consequências incalculáveis. Este é o
tipo de mensagem que a justiça não pode passar. No entanto, segundo o
Observatório das Mulheres Assassinadas, pode constatar-se alguma maior
celeridade e preocupação do sistema de justiça com estes casos, embora tal
observação não possa ser estendida ao universo global da violência doméstica.
Este sentimento de impunidade está instalado em
todas as áreas da criminalidade, não apenas nas situações de violência
doméstica. Atente-se em quantos casos de corrupção acabam em condenações a
prisão efectiva. Atente-se no tempo e nos expedientes que os processos sofrem,
acabando muitas vezes em prescrições ou em penas ridículas. Atente-se nos
efeitos de algumas alterações do código penal que permitem que um indivíduo
comprovadamente autor de um crime susceptível de pena de prisão, possa ser
imediatamente solto e aguardar, se aguardar, o julgamento que demorará um tempo
infindo enquanto se mantém em actividade.
Atente-se no comportamento despudorado de muitas
das nossas lideranças políticas e partidárias com comportamentos de compadrio,
tráfico de influências, distribuição de lugares pelas clientelas, etc.
De facto, tragicamente, temos que concluir que
não é estranho o número muito baixo de detidos e condenados por violência
doméstica face ao volume de situações que na realidade ocorrem.
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