Na altura da discussão pública sobre as metas
curriculares escrevi.
“As metas curriculares podem funcionar como uma
ferramenta orientadora e muito útil para o trabalho de alunos e professores.
Para que tal aconteça, para além do seu ajustamento aos programas em vigor,
importa que, lembrando João dos Santos, sejam de simples utilização e
operacionalização.
Neste sentido, o documento do MEC, que se
encontra em discussão levanta uma enorme reserva. Vejamos o exemplo do 1º ciclo
e apenas para Português e Matemática.
Em Português, temos três domínios que no 1º ano
se desdobram em 20 objectivos e 81 descritores, no 2º ano em 25 objectivos e 86
descritores, no 3º ano 29 objectivos e 104 descritores e no 4º ano em 31
objectivos e 109 descritores. Em síntese, para os quatro anos do 1º ciclo, em
Português, temos 105 objectivos e 380 descritores.
No que respeita à Matemática (…)
Estas duas áreas do currículo, Português e
Matemática, envolvem no total 177 objectivos e 703 descritores. Por anos,
temos: no 1º ano, 33 objectivos e 143 descritores; no 2º, 47 objectivos e 168
descritores; no 3º, 51 objectivos e 202 descritores e no 4º, 46 objectivos e
190 descritores. É obra, uff.
Por outro lado, como também já escrevi, a lógica
de elaboração das metas curriculares remete para uma lógica de ano de
escolaridade e não de ciclo como prevê a Lei de Bases, ou seja os objectivos
são definidos para o ciclo e não para o ano, aliás, os exames, tão caros ao
MEC, acontecem exactamente no final de ciclo. A definição exaustiva de metas curriculares
por ano de escolaridade faz emergir o risco de uma leitura fechada, relembro
que serão obrigatórias a partir de 2013/2014.
Este entendimento pode levar a que o ensino se
transforme na gestão de uma espécie de "check list" das metas
estabelecidas implicando a impossibilidade de acomodar as diferenças, óbvias,
entre os alunos, os seus ritmos de aprendizagem o que culminará, antecipa-se,
com a realização de exames todos os anos. As metas, segundo os autores, estabelecem o que os alunos deverão
imprescindivelmente revelar, “exigindo da parte do professor o ensino formal de
cada um dos desempenhos referidos nos descritores”. Por curiosidade, dois
exemplos de descritores de Português que deverão ser “formalmente ensinados”, “Apropriar-se de novos vocábulos: reconhecer
o significado de um mínimo de 150 novas palavras, relativas a temas do
quotidiano, áreas de interesse dos alunos e conhecimento do mundo (exemplos de
áreas vocabulares: casa, família, escola, vestuário, profissões, festas,
animais, jardim, cidade, campo)” ou “Ler pelo menos 45 de 60 pseudo-palavras
(sequências de letras que não têm significado mas que poderiam ser palavras em
português) monossilábicas, dissilábicas e trissilábicas (em 4 sessões de 15
pseudo-palavras cada)”.
Este cenário, aplicado a turmas do 1º ciclo, com
26 alunos (os agrupamentos e mega-agrupamentos assim o determinarão em muitos
casos), algumas com alunos de diferentes anos de escolaridade, com ritmos e assimetrias
nos seus percursos e competências, deixa-me uma imensidade de dúvidas sobre a
aplicação das metas curriculares, tal como estão definidas."
O trabalho muito interessante desenvolvido pela
Professora Dulce Gonçalves sobre as metas curriculares de Português no 1º ciclo, hoje citado no Público, é um exemplo muito claro
das reservas que me suscitam a forma e modelo de definição das metas
curriculares, obrigatórias a partir do próximo ano lectivo.
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