Tragicamente sem estranheza, o início do ano
escolar está a revelar o enorme conjunto de dificuldades que muitas famílias,
demasiadas famílias estão a sentir para a assegurar condições mínimas de qualidade
de vida aos seus miúdos. Professores e directores escolares registam a subida
de pedidos de ajuda e da apresentação de situações de carência, sendo
particularmente preocupante a situação de carência alimentar.
Ontem a imprensa referia a impotência e
dificuldade de muitas instituições de solidariedade social em responder ao
aumento brutal de pedidos de ajuda das famílias.
Face a este cenário o que temos pela frente é a insistência
insensível num caminho de cortes nas áreas sociais e da educação, no corte
insentaso e insustentável no rendimento das famílias produzindo diariamente
novos pobres que já nem envergonhados se conseguem sentir, tamanha é a
desesperança que faz aparecer na escola ou nas instituições de mão estendida.
Felizmente temos um Primeiro-ministro que dorme
tranquilo com a gestão do país. Sim, eu sei, é demagogia, mas há expressões
proibidas a quem lidera quando as sociedades experimentam fortíssimas
dificuldades.
Já foi decidido que este ano lectivo as escolas distribuirão
pequenos-almoços às crianças identificadas como situações vulneráveis,
sinalizadas, como se costuma chamar entre nós. A medida pecou por tardia,
muitas crianças têm como alimentação não muito mais do que aquilo que as
escolas lhes providenciam, como bem sabem as pessoas que se movem no universo
da educação.
As dificuldades das famílias e o que dessas
dificuldades penaliza e ameaça os mais pequenos, é demasiado importante para
que não insistamos nestas questões. Todos os estudos e indicadores identificam
os mais novos como o grupo mais vulnerável ao risco de pobreza que, aliás, tem
vindo a aumentar.
Por outro lado, relembro um estudo de há uns
meses realizado pelo I junto das autarquias dos distritos de Lisboa, Porto,
Setúbal, Coimbra e Faro que revelou que quase metade dos alunos da educação
pré-escolar e do 1º ciclo recebe apoios sociais sendo que em alguns concelhos a
percentagem de crianças carenciadas atinge os 65%, número verdadeiramente
impressionante. Acresce que em muitos concelhos a maioria das crianças apoiadas
integram o escalão A dos apoios, o que se destina aos agregados com rendimentos
mas baixos. Este cenário agravou-se fortemente para este ano lectivo. Acresce a
dificuldade advinda dos cortes na Acção Social Escolar e no orçamento das
autarquias.
Estes indicadores sobre as dificuldades que afectam
a população mais nova são algo de assustador. Esta realidade não pode deixar de
colocar um fortíssimo risco no que respeita ao desenvolvimento e sucesso
educativo destes miúdos e adolescentes e portanto, à construção de projectos de
vida bem sucedidos. Como é óbvio, em situações limite como a carência
alimentar, estaremos certamente em presença de outras dimensões de
vulnerabilidade que concorrerão para futuros preocupantes.
É por questões desta natureza que a contenção das
despesas do estado, imprescindível, como sabemos, deveria ser feita com
critérios de natureza sectorial e não de uma forma cega e apressada,
naturalmente mais fácil mas que, entre outras consequências, poderá empurrar
milhares de crianças para situações de fragilidade e risco com implicações
muito sérias.
Miúdos com fome não aprendem e vão continuar
pobres. Manteremos as estatísticas internacionais referentes a assimetrias,
insucesso e incapacidade de proporcionar mobilidade social através da educação.
Não estranhamos, Dói mas é “normal”, é o destino.
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