Em 2011, o Parlamento Europeu aprovou legislação
no sentido de introduzir maior severidade nos crimes de abuso sexual a crianças
e de consumo ou produção de pornografia infantil. Os diferentes países deveriam a
partir dessa altura proceder ao necessário ajustamento da respectiva
legislação. Esta medida, comentei ao tempo, pareceu-me um passo positivo.
O caso hoje divulgado de mais um caso que envolve
um comportamento continuado envolvendo o abuso de várias crianças e um
indivíduo que cujo comportamento há vários anos que levantava reservas na
comunidade próxima, bem como a regularidade com que são conhecidos diferentes casos
de abuso, sugerem algumas notas.
Sobretudo a partir do sobressalto causado pelo
processo que envolveu a Casa Pia, este universo negro, os abusos sexuais sobre
crianças, ganhou maior visibilidade pelo que a comunidade parece ter ficado
mais atenta embora, dada a natureza dos crimes e as relações de proximidade,
inibam em muitas circunstância a denúncia das situações. Apesar disto é de registar que desde o início
do processo em 2002 até 2009, ter triplicado o volume de denúncias. No entanto,
as pessoas que conhecem este tipo de problemáticas sabem que o volume de
denúncias é apenas uma parte das situações de abuso, justamente pelas questões
que já referi.
Por outro lado, julgo sempre de referir e
sublinhar que a maioria dos abusos sexuais sobre crianças ocorre nos contextos
familiares ou próximos do dia a dia das crianças, envolve família e amigos ou,
pelo menos pessoas conhecidas dos miúdos, não acontece em instituições que,
provavelmente na sequência do caso Casa Pia, até se terão tornado mais atentas
e eficazes na prevenção de abusos.
Apesar das mudanças verificadas em termos legais
e processuais, a fragilidade ainda verificada, na criação de uma verdadeira
cultura de protecção dos miúdos leva a que muitos estejam expostos a sistemas
de valores familiares e sociais que toleram e mascaram abusos com base num
sentimento de posse e usufruto quase medieval. Muitas crianças em situação de
abuso no universo familiar ainda sentem a culpa da denúncia das pessoas da
família ou amigos, a dificuldade em gerir o facto de que pessoas que cuidam
delas lhes façam mal e a falta de credibilidade eventual das suas queixas.
Neste quadro, continua a ser absolutamente
necessário que as pessoas que lidam com crianças, designadamente na área da
saúde e da educação, sejam capazes de “ler” os miúdos e os sinais que emitem de
que algo se passa com eles. Esta preocupação, para além de constar no que "manual"
dos profissionais deveria informar as comunidades. No caso hoje relatado e
conforme foi divulgado, o comportamento do sujeito de há muitos anos que
levantava fortíssimas suspeitas no círculo comunitário mais próximo, aliás, referidas por vizinhos na peça do Público sobre a matéria, e só no início do ano é desencadead um processo que culmina na sua detenção. É
grave que assim vá acontecendo.
Do meu ponto de vista, esta atitude de
permanente, informada e intencional atenção aos comportamentos e discursos dos
miúdos por parte de toda a gente que com eles lida é, do meu ponto de vista,
uma peça chave para minimizar a tragédia dos abusos.
Aumentar as penas nos casos de abuso sexual de crianças como sempre
é reclamado, é apenas uma parte da questão, ainda assim positiva, como é óbvio.
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