O Público on-line colocou um trabalho que me
parece interessante e já divulgado na edição impressa sobre as classes sociais e a mobilidade social em Portugal.
Dada a pertinência e actualidade da matéria, retomo o comentário
que na altura me suscitou.
Como o trabalho regista, temos uma primeira
dificuldade em definir "classe social" questão a que não me refiro.
Por outro lado, as circunstâncias conjunturais, provavelmente estruturais, que
vivemos fazem admitir uma mobilidade social descendente produzindo uma classe
de "novos pobres", que tendo anteriormente ascendido a patamares
médios se sentem agora em processo significativo de degradação das condições e
qualidade de vida.
No entanto, dado que boa parte do meu olhar sobre
o mundo radica na relação próxima com o universo da educação, parece-me
oportuno algumas notas que por aqui até nem são inéditas.
Uma das ferramentas mais sólidas de promoção da
mobilidade social nas últimas décadas, na generalidade das sociedades, é,
justamente, a educação, ou seja, a qualificação académica e profissional são
entendidas como ferramentas imprescindíveis de progressão social. Lembro-me a
frequência com que os meus pais, um serralheiro e uma costureira, me
incentivavam "estuda que vais ser alguém que nós não fomos". Tal
entendimento é adequado, importa sublinhar, mesmo num tempo em que os jovens
com qualificação superior têm uma taxa de desemprego superior a 35%. Com base
em vários indicadores, é ainda claro que estudar compensa. É certo que sempre
existem uns "alpinistas sociais" que tratam muito bem da sua
mobilidade sem grande esforço de qualificação escolar ou profissional.
Portugal, conforme alguns estudos demonstram, tem
comparativamente a muitos outros países da Europa, um dos mais altos custos
para as famílias a situação de um filho a estudar no ensino superior, ou seja,
as famílias portuguesas fazem um esforço bem maior, em termos de orçamento
familiar, para que os seus filhos acedam a formação superior. Se considerarmos
a frequência de ensino superior privado o esforço é ainda maior. Tem vindo a
ser regularmente noticiada a desistência da frequência dos cursos por muitos
alunos que, por si, ou os respectivos agregados familiares não suportam os
encargos com o estudo.
Estas dificuldades são, do meu ponto de vista,
considerados frequentemente de forma ligeira ou mesmo desvalorizadas. Tal
entendimento parece assentar na ideia de que a formação de nível superior é um
luxo, um bem supérfluo pelo que ... quem não tem dinheiro não tem vícios.
As mudanças nos dispositivos de apoio e bolsas, o
encarecimento dos custos de formação, mais significativos nos 2º ciclos e as
dificuldades das próprias famílias e estudantes podem ter um efeito
extremamente significativo em termos de futuro ao inibirem a educação e
qualificação.
Apesar das melhorias registadas nos últimos anos,
os relatórios internacionais ainda reconhecem como característica do sistema
educativo português, sobretudo devido às altas taxas de abandono precoce, o
baixo impacto da educação na mobilidade social. Dito de outra maneira, os
indivíduos com origem em grupos sociais mais favorecidos são os que
tendencialmente obtêm melhores níveis de qualificação e repete-se o ciclo.
Neste quadro, a redução significativa das bolsas e apoios, as dificuldades
enormes que muitas famílias atravessam e o desemprego mais elevado entre os
jovens, que poderia constituir uma pressão para continuar os estudos, a que
acrescem as elevadas propinas, designadamente no 2º ciclo, tornam ainda mais
difícil a realização de percursos escolares que promovam mobilidade social e
que se traduz, por exemplo, no aumento das desistências.
Neste cenário e considerando o tema do trabalho
do Público, quando se entende e espera que a educação e qualificação possam ter
um papel decisivo na minimização de assimetrias, os custos e dificuldade de
acesso podem, pelo contrário, alimentar essas assimetrias e manter o tão nosso
"tal pai, tal filho", pai letrado, filho letrado e pai pouco letrado,
filho pouco letrado.
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