Em pouco tempo temos alguns episódios que, apesar
de frequentes noutras paragens, são relativamente raros entre nós embora também
não inéditos, isto é, reacções significativas de hostilidade face aos
representantes do poder político. Depois de alguns incidentes que envolveram o
Presidente da República, designadamente em Guimarães, há algumas semanas
tivemos uma situação da mesma natureza com o Ministro da Economia na Guarda que
recorreu a uma milagrosa porta lateral assim como o Primeiro-ministro utilizou
também a providencial e indispensável porta lateral para escapar a uma
manifestação de desagrado em Braga. Nos últimos dias assistimos a um
refrescante banho de cerveja a Alberto João Jardim, ontem à calorosa recepção do
Ministro Vítor Gaspar à porta da SIC, a Ministra Assunçao Cristas recebeu
um produto do âmbito do seu Ministério, um ovo, como prémio de presença em
Santarém e Passos Coelho terá usado a porta dos fundos numa visita a uma ábrica em Vila do Conde.
Estas manifestações, que a retórica política
manda designar como descontentamento normal em democracia, mas que as condições
de vida, ou melhor, a falta delas, sugerem que se pense em indignação e revolta
por se sentirem ultrapassados os limites.
Passos Coelho elogiou recentemente a
"extrema paciência" que os portugueses têm demonstrado nestes tempos
que atravessamos e afirmou o orgulho que sente na capacidade suportar
sacrifícios que demonstramos. Também há algum tempo, numa espécie de profissão
de fé, Cavaco Silva afirmou que acredita na manutenção do “clima de paz e
coesão social" e Vítor Gaspar afirma ontem que “as pessoas estão dispostas
a sacrificar-se". Como é óbvio, só o Ministro Gaspar é que acredita na
justa distribuição dos sacrifícios. Aliás, sendo um homem inteligente, nem
mesmo ele acreditará nessa equidade.
Mais uma vez, parece-me de reflectir sobre esta
convicta confiança na paciência, resistência e capacidade de sacrifício dos
portugueses que os sucessivos episódios de manifestações começam a não
sustentar.
As constantes e pesadíssimas medidas, chamadas de
austeridade, conjugadas com as dificuldades decorrentes da própria situação
económica estão a colocar a resistência de muitas pessoas nos limites ou para
além dos limites. O desemprego atingiu um nível recorde, prevendo-se ainda o
seu crescimento, o que representa uma fortíssima ameaça à dignidade das pessoas
e testa fortemente a sua paciência e a contenção da indignação e revolta.
Por outro lado, e do meu ponto de vista de forma
muito grave, muitas afirmações de gente politicamente responsável têm sido
profundamente infelizes, para ser simpático, mas na verdade insultuosas e
inaceitáveis face aos problemas que colocam 2,7 milhões de portugueses à beira
da pobreza e da exclusão. O exemplo mais recente foi oferecido por Nogueira
Leite.
Tudo isto gera um caldo de cultura em que se
corre o risco de diluir os brandos costumes com que nos costumam identificar e
nos quais as lideranças políticas querem desesperadamente acreditar. Como o
povo diz, “quem semeia ventos, colhe tempestades".
Na verdade, dizem que somos reconhecidamente um
povo de brandos costumes, dizem. Não abusamos da violência e quando o fazemos é
no recato do lar, quando muito, no quintal ou num desaguisado de trânsito, nada
que possa configurar violência pública ou convulsão social graves. A nossa
violência, é uma violência de proximidade.
Somos mesmo um povo tranquilo e de brandos
costumes, uma das apreciações que os estrangeiros quase sempre referem como
característica dos portugueses.
A questão é que, como dizia Camões, todo o mundo
é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades. Um dia cansamo-nos de
ser bons rapazes.
Se assim for, nem a porta lateral será uma saída.
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