quarta-feira, 12 de setembro de 2012

OS BRANDOS COSTUMES REVISTOS EM BAIXA

Em pouco tempo temos alguns episódios que, apesar de frequentes noutras paragens, são relativamente raros entre nós embora também não inéditos, isto é, reacções significativas de hostilidade face aos representantes do poder político. Depois de alguns incidentes que envolveram o Presidente da República, designadamente em Guimarães, há algumas semanas tivemos uma situação da mesma natureza com o Ministro da Economia na Guarda que recorreu a uma milagrosa porta lateral assim como o Primeiro-ministro utilizou também a providencial e indispensável porta lateral para escapar a uma manifestação de desagrado em Braga. Nos últimos dias assistimos a um refrescante banho de cerveja a Alberto João Jardim, ontem à calorosa recepção do Ministro Vítor Gaspar à porta da SIC, a Ministra Assunçao Cristas recebeu um produto do âmbito do seu Ministério, um ovo, como prémio de presença em Santarém e Passos Coelho terá usado a porta dos fundos numa visita a uma ábrica em Vila do Conde.
Estas manifestações, que a retórica política manda designar como descontentamento normal em democracia, mas que as condições de vida, ou melhor, a falta delas, sugerem que se pense em indignação e revolta por se sentirem ultrapassados os limites.
Passos Coelho elogiou recentemente a "extrema paciência" que os portugueses têm demonstrado nestes tempos que atravessamos e afirmou o orgulho que sente na capacidade suportar sacrifícios que demonstramos. Também há algum tempo, numa espécie de profissão de fé, Cavaco Silva afirmou que acredita na manutenção do “clima de paz e coesão social" e Vítor Gaspar afirma ontem que “as pessoas estão dispostas a sacrificar-se". Como é óbvio, só o Ministro Gaspar é que acredita na justa distribuição dos sacrifícios. Aliás, sendo um homem inteligente, nem mesmo ele acreditará nessa equidade.
Mais uma vez, parece-me de reflectir sobre esta convicta confiança na paciência, resistência e capacidade de sacrifício dos portugueses que os sucessivos episódios de manifestações começam a não sustentar.
As constantes e pesadíssimas medidas, chamadas de austeridade, conjugadas com as dificuldades decorrentes da própria situação económica estão a colocar a resistência de muitas pessoas nos limites ou para além dos limites. O desemprego atingiu um nível recorde, prevendo-se ainda o seu crescimento, o que representa uma fortíssima ameaça à dignidade das pessoas e testa fortemente a sua paciência e a contenção da indignação e revolta.
Por outro lado, e do meu ponto de vista de forma muito grave, muitas afirmações de gente politicamente responsável têm sido profundamente infelizes, para ser simpático, mas na verdade insultuosas e inaceitáveis face aos problemas que colocam 2,7 milhões de portugueses à beira da pobreza e da exclusão. O exemplo mais recente foi oferecido por Nogueira Leite.
Tudo isto gera um caldo de cultura em que se corre o risco de diluir os brandos costumes com que nos costumam identificar e nos quais as lideranças políticas querem desesperadamente acreditar. Como o povo diz, “quem semeia ventos, colhe tempestades".
Na verdade, dizem que somos reconhecidamente um povo de brandos costumes, dizem. Não abusamos da violência e quando o fazemos é no recato do lar, quando muito, no quintal ou num desaguisado de trânsito, nada que possa configurar violência pública ou convulsão social graves. A nossa violência, é uma violência de proximidade.
Somos mesmo um povo tranquilo e de brandos costumes, uma das apreciações que os estrangeiros quase sempre referem como característica dos portugueses.
A questão é que, como dizia Camões, todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades. Um dia cansamo-nos de ser bons rapazes.
Se assim for, nem a porta lateral será uma saída.

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