O Público de hoje, a propósito das manifestações
dos últimos dias, aborda de forma aprofundada e interessante uma questão que
sempre me faz reflectir quando se realizam manifestações ou greves, o número real
de participantes.
Na verdade, um dos aspectos invariavelmente
envolvidos na realização de manifestações ou greves, independentemente da sua natureza,
comemorativa ou de protesto e reivindicativa, é a contabilidade em torno dos
níveis de participação e o seu significado.
O trabalho jornalístico refere exactamente essas
dificuldades e a tentativa dos especialistas em encontrar metodologias
diversificadas que possam, de forma fiável, avaliar o número de pessoas que
participaram neste tipo de iniciativas.
Do meu ponto de vista e tal como se verifica em
muitíssimas áreas em que, supostamente, os números seriam como o “algodão, não
mentem”, não haverá forma de proporcionar informação objectiva, não porque seja
impossível obtê-la, mas porque as fontes da informação e a tentação de
manipulação proporcionarão leituras sempre diferentes.
Quero dizer com esta introdução que ainda que a
partir de um mesmo número, para uns o copo estará meio cheio e para outros
estará meio vazio, consoante as fontes de informação e os interesses em jogo.
Lembrar-se-ão alguns de uma manifestação de trabalhadores
da administração pública em 6 de Novembro de 2010, em que a organização estimou
em 100 000 o número de participantes e um especialista americano que se
encontrava em Lisboa avaliou a participação entre 8 000 e 10 000. Na altura
lembro-me de ter escrito que não tendo estado presente e não tendo outras
fontes de informação validada, só podia depreender que uma das avaliações
estaria "ligeiramente" enganada.
A mesma questão se coloca com os níveis de adesão
a greves quer no âmbito da administração pública quer no âmbito privado. As
estruturas representantes da administração e dos empregadores afirmam
habitualmente que a iniciativa não teve a adesão referida e ou esperada, pelo
que fica evidente a aceitação ou, pelo menos, a compreensão das políticas
seguidas e a bondade dos seus pontos de vista, etc. Aliás, como se sabe, o
Governo decidiu há tempos não revelar o número de pessoas envolvidas em greves o
que é, obviamente, significativo.
Por outro lado, as estruturas representativas dos
trabalhadores ou outros organizadores informam-nos que a adesão correspondeu às
expectativas, que os trabalhadores, os cidadãos, mostraram o seu
descontentamento, que o movimento sindical e a condenação das políticas obtiveram
mais uma retumbante vitória, etc.
A questão é que esta discrepâncias, do meu ponto
de vista, acabam por desvalorizar os efeitos das próprias iniciativas, pois, é
reconhecido, muitos estudos têm vindo a demonstrá-lo, os níveis de cultura
política, participação cívica, precariedade laboral, custos económicos, etc.,
levam a que exista sempre uma percentagem muito significativa de pessoas que
embora estando de acordo com a justificação das acções não participam nelas. Há
circunstâncias em que quando todos afirmam que ganham, todos estão a perder.
Para já estamos a perder o presente, as
dificuldades que estão na origem do descontentamento das pessoas, das que
aderem às manifestações de protesto e de muitas que não aderem, são graves e
sérias. E
o risco de perdermos o futuro é também uma ameaça, os tempos estão difíceis e a
desesperança é muita. Creio que nesta altura a maioria de nós, presente ou não
na manifestação, achará que o copo está meio vazio. Vão muito difíceis os
tempos.
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