É certo que já não me devia acontecer, mas ainda
consigo sentir alguma perplexidade com algumas intervenções de figuras públicas.
O Presidente da República afirmou hoje, ao que
parece sem se rir, é um homem que talvez não saiba rir, que o país tem que
"ultrapassar estigmas" e voltar a olhar para sectores que esqueceu
nas últimas décadas, o mar, a agricultura e a indústria. É espantoso.
Não, nós não "esquecemos" o mar, a
agricultura e a indústria. A nossa relação com estes sectores não foi de
esquecimento foi de destruição. E foram destruídos, ou quase, sob a
responsabilidade das políticas e modelos de desenvolvimento, de que Cavaco
Silva foi um longo actor principal, entre outros, naturalmente. Estes sectores
de actividade foram quase destruídos em nome de políticas que criteriosamente
algumas décadas de centrão foram executando.
À boleia da destruição da agricultura, pesca e
indústria, da betonização do país, de modelos de construção selvagem que
destruíram cidades e litoral, de uma oferta turística massificada e
frequentemente sem qualidade, hipotecámos o futuro.
É patético este exercício que muita gente que
ocupou responsabilidades políticas relevantes e durante períodos de tempo
significativos, procura fazer, colocando-se como espectadores distantes e
críticos do que foram as decisões políticas de que foram altos responsáveis e,
sobretudo, dos seus efeitos, por vezes devastadores.
O que é grave é que esta cegueira intelectual e a
atitude infantil e ingénua traduzida "eu não estava lá", é frequente,
não temos uma cultura de responsabilização das lideranças, quer nas atitudes e
discursos individuais em que podemos assumir com humildade e seriedade o erro,
a má decisão ou opção, quer em termos colectivos, em que a memória parece curta
insistindo em modelos, ideias e pessoas que sendo parte do problema
dificilmente podem ser parte da solução.
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