Na imprensa de hoje divulga-se a preocupação
expressa por representantes de profissionais da saúde, médicos e enfermeiros,
sobre o aumento dos episódios de agressão a estes profissionais. São referidos
como eventual explicação para estes fenómenos, os potenciais efeitos que a
situação de grande dificuldade e económica que atravessamos que tornarão as
pessoas mais stressadas, mais instáveis e agressivas.
Sem minimizar estes efeitos de natureza mais
psicológica que alguns especialistas também sustentam, creio que importa
reflectir numa outra perspectiva.
Em primeiro lugar sublinhar que os profissionais
da saúde não são os únicos destinatários de emergentes e regulares comportamentos de agressividade.
Há poucas semanas elementos representantes de forças policiais vieram a público
apresentar o mesmo problema e são demasiado frequentes e graves os episódios
de agressão a professores.
Por outro lado, é minha convicção que, para além
dos efeitos da crise vale a pena considerar dois aspectos que me parecem
essenciais, a mudança na percepção social dos traços de autoridade e o sentimento
de impunidade, que me parecem fortemente ligados a este fenómeno.
Uma observação minimamente atenta às mudanças
sociais, culturais e económicas nas últimas décadas, permite, creio, constatar
como tem vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos
chamar de traços de autoridade. Os médicos e enfermeiros, entre outras
profissões, professores ou polícias, por exemplo, eram percebidos, só pela sua
condição profissional, como fontes de autoridade, como também os velhos,
curiosamente. Tal processo alterou-se, a profissão ou a idade já não conferem “autoridade”
que iniba a utilização de comportamentos de agressão. Dito de outra maneira, a
identificação como médico ou enfermeiro, através da "bata", polícia com
a "farda" ou professor com o "peso social" da função e da escola,
já não são, por si sós, reguladores dos comportamentos. Estas mudanças implicam
uma reflexão profunda, pois sendo um fenómeno "novo", não poderemos
recorrer unicamente às soluções "velhas".
O segundo aspecto que me parece de considerar remete
para um ambíguo e abrangente sentimento instalado em Portugal de que não
acontece nada, faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a
nossa sociedade e camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação
dos comportamentos, ou seja, podemos fazer qualquer coisa porque não acontece
nada, a “grandes” e a “pequenos”, mas sobretudo a "grandes", o que
aumenta a percepção de impunidade dos “pequenos”.
Considerando este quadro, parece importante um
trabalho no âmbito da formação cívica sobretudo no sistema educativo e na
formação profissional dos grupos profissionais para a gestão e prevenção de
situações de conflito, bem como um discurso político e social consistente de
valorização da autoridade, não do autoritarismo.
Por outro lado e finalmente é ainda fundamental
que se agilizem, ganhem eficácia e sejam divulgados os processos de punição e
responsabilização séria dos casos verificados, o que contribuirá para combater,
justamente, a ideia de impunidade.
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