sexta-feira, 16 de novembro de 2012

OS NOVOS POBRES

O presidente da Cáritas acentuou hoje para a imperiosa necessidade combater as desigualdades e assimetrias que sustentam o empobrecimento de muitos milhares de pessoas e que coexistem com privilégios inaceitáveis de uma pequena minoria. Parece razoavelmente claro que os caminhos que têm vindo a ser escolhidos não alimentam esperança de minimizar de forma séria tal empobrecimento e exclusão.
O responsável da Cáritas considera ainda que, de acordo com o OGE para 2013, vamos assistir à emergência do que ele chama de empregados pobres, ou seja, pessoas, muitas pessoas, que apesar de manterem os seus empregos terão o seu rendimento tão penalizado que não conseguirão suportar as despesas diárias. Por coincidência a imprensa de hoje também referia o crescimento na zona nordeste do País do número de famílias que não conseguem assegurar o pagamento de creches e lares.
Recordo que um trabalho apresentado por Agostinho Silvestre VII Congresso Português de Sociologia, realizado este ano, mostrava que ter trabalho já não constitui factor de protecção contra a pobreza, constituindo-se mesmo como mais um mecanismo de “aprofundamento das desigualdades sociais”.
Em 2010, 12% dos trabalhadores portugueses viviam abaixo do limiar de pobreza sendo que em 2011, 16% das pessoas que usufruíram do Rendimento Social de Inserção (35.015), acumularam este apoio com rendimentos do trabalho, o que significa aumento da pobreza entre pessoas com trabalho.
Este cenário, afirmou Agostinho Silvestre, exige um repensar sério e aprofundado dos modelos de desenvolvimento, dos modelos de organização do trabalho e dos apoios sociais, pois não voltaremos a sociedades de pleno emprego.
De facto, temos vindo a assistir à emergência de "novos pobres", muitos milhares de pessoas que apesar de terem emprego têm salários extremamente baixos e que, mercê dos cortes e aumentos realizados e prometidos, se sentem e vivem numa condição de pobreza não antecipada pelo que cresceram exponencialmente os casos do que se pode chamar de “pobreza envergonhada”, devido, naturalmente, aos níveis de desemprego mas também decorrentes, à falta de qualidade do emprego, aumento de impostos e perdas salariais. São pessoas que se julgavam a coberto deste tipo de riscos e que sentem um embaraço pessoal e social enorme para assumir as dificuldades porque passam.
Este cenário é absolutamente extraordinário e ameaçador da dignidade. De facto, umas das consequências menos quantificáveis das dificuldades económicas, é o roubo da dignidade às pessoas envolvidas. Sabemos que se verifica oportunismo e fraude no acesso aos apoios sociais, mas a esmagadora maioria das pessoas sentem a sua dignidade ameaçada quando está em causa a sobrevivência a que só se acede pela “mão estendida” que envergonha, exactamente por uma questão de dignidade roubada.
A questão da pobreza é um terreno que se presta a discursos fáceis de natureza populista e ou demagógica, sem dúvida. Mas também não tenho dúvidas de que os problemas gravíssimos de pobreza que perto de três milhões de portugueses sentem e o facto também conhecido de que um terço das famílias tem um orçamento encostado ao limiar de pobreza, exigem uma recentração de prioridades e políticas que não se vislumbra.
Neste quadro importa ainda a coragem de, mais uma vez, ponderar os modelos de desenvolvimento económico e social, diminuir efectivamente o fosso intolerável entre os mais ricos e mas pobres, caminhar no sentido da construção de uma dimensão ética que seja reguladora da atribuição de privilégios incompreensíveis e obscenos para poucos e tolerância face a situações de exclusão extrema para bastantes outros.
A envergonhada pobreza deveria envergonhar-nos a todos, a começar por quem lidera.

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