O presidente da Cáritas acentuou hoje para a
imperiosa necessidade combater as desigualdades e assimetrias que sustentam o
empobrecimento de muitos milhares de pessoas e que coexistem com privilégios
inaceitáveis de uma pequena minoria. Parece razoavelmente claro que os caminhos
que têm vindo a ser escolhidos não alimentam esperança de minimizar de forma séria
tal empobrecimento e exclusão.
O responsável da Cáritas considera ainda que, de
acordo com o OGE para 2013, vamos assistir à emergência do que ele chama de
empregados pobres, ou seja, pessoas, muitas pessoas, que apesar de manterem os
seus empregos terão o seu rendimento tão penalizado que não conseguirão
suportar as despesas diárias. Por coincidência a imprensa de hoje também
referia o crescimento na zona nordeste do País do número de famílias que não
conseguem assegurar o pagamento de creches e lares.
Recordo que um trabalho apresentado por Agostinho
Silvestre VII Congresso Português de Sociologia, realizado este ano, mostrava que
ter trabalho já não constitui factor de protecção contra a pobreza,
constituindo-se mesmo como mais um mecanismo de “aprofundamento das
desigualdades sociais”.
Em 2010, 12% dos trabalhadores portugueses viviam
abaixo do limiar de pobreza sendo que em 2011, 16% das pessoas que usufruíram
do Rendimento Social de Inserção (35.015), acumularam este apoio com
rendimentos do trabalho, o que significa aumento da pobreza entre pessoas com
trabalho.
Este cenário, afirmou Agostinho Silvestre, exige
um repensar sério e aprofundado dos modelos de desenvolvimento, dos modelos de
organização do trabalho e dos apoios sociais, pois não voltaremos a sociedades
de pleno emprego.
De facto, temos vindo a assistir à emergência de
"novos pobres", muitos milhares de pessoas que apesar de terem
emprego têm salários extremamente baixos e que, mercê dos cortes e aumentos
realizados e prometidos, se sentem e vivem numa condição de pobreza não
antecipada pelo que cresceram exponencialmente os casos do que se pode chamar
de “pobreza envergonhada”, devido, naturalmente, aos níveis de desemprego mas
também decorrentes, à falta de qualidade do emprego, aumento de impostos e
perdas salariais. São pessoas que se julgavam a coberto deste tipo de riscos e
que sentem um embaraço pessoal e social enorme para assumir as dificuldades
porque passam.
Este cenário é absolutamente extraordinário e
ameaçador da dignidade. De facto, umas das consequências menos quantificáveis
das dificuldades económicas, é o roubo da dignidade às pessoas envolvidas.
Sabemos que se verifica oportunismo e fraude no acesso aos apoios sociais, mas
a esmagadora maioria das pessoas sentem a sua dignidade ameaçada quando está em
causa a sobrevivência a que só se acede pela “mão estendida” que envergonha,
exactamente por uma questão de dignidade roubada.
A questão da pobreza é um terreno que se presta a
discursos fáceis de natureza populista e ou demagógica, sem dúvida. Mas também
não tenho dúvidas de que os problemas gravíssimos de pobreza que perto de três
milhões de portugueses sentem e o facto também conhecido de que um terço das
famílias tem um orçamento encostado ao limiar de pobreza, exigem uma
recentração de prioridades e políticas que não se vislumbra.
Neste quadro importa ainda a coragem de, mais uma
vez, ponderar os modelos de desenvolvimento económico e social, diminuir
efectivamente o fosso intolerável entre os mais ricos e mas pobres, caminhar no
sentido da construção de uma dimensão ética que seja reguladora da atribuição
de privilégios incompreensíveis e obscenos para poucos e tolerância face a
situações de exclusão extrema para bastantes outros.
A envergonhada pobreza deveria envergonhar-nos a
todos, a começar por quem lidera.
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