Contrariamente às afirmações pouco felizes da Dra.
Isabel Jonet sobre os estilos de vida, os consumos de bife e a pobreza a que
nos devemos habituar, que suscitaram um enorme alarido, passou relativamente
despercebida e sem sobressalto a inimaginável situação, nem sequer inédita, de
um aluno que desmaiou de fome numa aula na Escola Fonseca Benevides em Lisboa
durante esta semana.
Esta situação inaceitável que, ao que parece, já
desencadeou uma “onda de solidariedade” nas redes sociais, nós somos assim, é
apenas mais um sinal violentíssimo de como a pobreza não pode ser o caminho e é
delinquente afirmar a necessidade empobrecer quando já temos, o próprio MEC reconhece,
mais de 10 000 crianças referenciadas como passando por graves carências
alimentares.
Sabemos todos, muitos professores e pais têm
vindo a alertar desde o início do ano, do enorme e dramático aumento das
dificuldades das famílias e do aumento do número de famílias que não conseguem
assegurar condições mínimas de qualidade de vida aos seus miúdos. Professores e
directores escolares registam a subida de pedidos de ajuda e da apresentação de
situações de carência, sendo particularmente preocupante a situação de carência
alimentar.
Tem sido recorrentemente noticiada a impotência e
dificuldade de muitas instituições de solidariedade social em responder ao
aumento brutal de pedidos de ajuda das famílias.
Face a este cenário o que temos tido pela frente
é a insistência insensível num caminho de cortes nas áreas sociais e da
educação, no corte insensato e insustentável no rendimento das famílias
produzindo diariamente novos pobres que já nem envergonhados se conseguem
sentir, tamanha é a desesperança que faz aparecer na escola ou nas instituições
de mão estendida.
Face a este drama que se acentua diariamente dizem-nos
não haver alternativa. É mentira, existem alternativas e é um crime porque se
condenam miúdos e muitos graúdos, sobretudo velhos, a passar a carências
graves. A disponibilização do pequeno almoço nas escolas, já decidida, pecou
por tardia, muitas crianças têm como alimentação não muito mais do que aquilo
que as escolas lhes providenciam, como bem sabem as pessoas que se movem no
universo da educação.
As dificuldades das famílias e o que dessas
dificuldades penaliza e ameaça os mais pequenos, é demasiado importante para
que não insistamos nestas questões. Todos os estudos e indicadores identificam
os mais novos como o grupo mais vulnerável ao risco de pobreza que, aliás, tem
vindo a aumentar. Existem concelhos em que a percentagem de crianças
carenciadas ultrapassam os 50% e sabe-se do impacto negativo dos cortes dos
cortes na Acção Social Escolar e no orçamento das autarquias.
As dificuldades que afectam directamente a
população mais nova são algo de assustador. Esta realidade não pode deixar de
colocar um fortíssimo risco no que respeita ao desenvolvimento e sucesso
educativo destes miúdos e adolescentes e portanto, à construção de projectos de
vida bem sucedidos. Como é óbvio, em situações limite como a carência
alimentar, estaremos certamente em presença de outras dimensões de vulnerabilidade
que concorrerão para futuros preocupantes.
Miúdos com fome não aprendem e vão continuar
pobres. Manteremos as estatísticas internacionais referentes a assimetrias,
insucesso e incapacidade de proporcionar mobilidade social através da educação.
Não estranhamos. Dói mas é “normal”, é o destino.
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