Como tem sido divulgado, o ano de 2012 será o ano
em que nascerão menos crianças em Portugal desde que existem registos. Já por diversas vezes me referi
neste espaço a esta matéria e a ela hoje retorno. O Público procurou saber junto
dos seus leitores que foram pais em 2012 o que representa a experiência da
parentalidade, coragem, irresponsabilidade ou optimismo.
Na verdade, se atentarmos nos tempos que correm e
sobretudo nos níveis de esperança em tempos melhores, pode parecer algo de
pouco prudente trazer gente nova para o nosso mundo.
Coloco a questão noutros termos. Trazer gente
nova, fenómeno inscrito na própria essência de ser gente, pode ser justamente a
melhor forma de nos envolvermos na construção de um futuro em que eles caibam,
e caibam de forma protegida e bem sucedida, podendo assim constituir-se como uma
espécie de "regulador" ético das decisões e comportamentos.
A questão é que em Portugal não temos sido suficientemente
competentes na construção de contextos "amigáveis" da paternidade e,
portanto, facilitadores das decisões das famílias nesse sentido.
É bom recordar que trabalhos recentes evidenciam
que as mulheres portuguesas são de entre as europeias as que mais valorizam a
carreira profissional e a família, sendo também vários os estudos que sugerem
que as mulheres portuguesas são das que mais tempo trabalham fora de casa, uma
primeira questão a ponderar.
Como parece claro, este cenário, menos filhos
quando se desejava fortemente compatibilizar maternidade e carreira, exige, já
o tenho referido, a urgência do repensar das políticas de apoio à família, veja-se
o que se passa noutros países neste universo. Os salários baixos são uma das
razões que “obrigam” a que as famílias revejam em baixa, como agora se diz, os
projectos relativos a filhos. Por outro lado, Portugal tem um dos mais elevados
custos de equipamentos e serviços para crianças o que, naturalmente, é mais um
obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos e que é particularmente
relevante em tempos de cortes fortíssimos nos rendimentos familiares.
Não pode ainda esquecer-se a discriminação
salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são
ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua “flexibilização” as
deixam mais desprotegidas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de
entrevistas de selecção em que se inquirirem as mulheres sobre a intenção de
ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez e
maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não
usarem a licença de maternidade até ao limite, etc.
Toda esta situação torna urgente a definição de
políticas de apoio à família com impactos a curto e médio prazo como, por
exemplo, a acessibilidade aos equipamentos e serviços para a infância com o
alargamento da resposta pública de creche e educação pré-escolar, cuja oferta
está abaixo da meta estabelecida. Combater a discriminação salarial e de
condições de trabalho através de qualificação e fiscalização adequadas.
Como dizia acima, temos de ser mais competentes
na construção de dispositivos legais, institucionais (quantidade, qualidade e
acessibilidade das respostas) e económicos mais amigáveis e facilitadores da
paternidade.
Voltando à questão colocada pelo Público, se a
paternidade representa coragem, irresponsabilidade ou optimimo, acho que tem sobretudo
a ver com o entendimento de felicidade de quem assume tal dimensão no seu projecto
de vida. Há vida para além da crise.
Sem comentários:
Enviar um comentário