domingo, 25 de novembro de 2012

OS "CORAJOSOS, IRRESPONSÁVEIS OU OPTIMISTAS" QUE DECIDEM SER PAIS

Como tem sido divulgado, o ano de 2012 será o ano em que nascerão menos crianças em Portugal desde que existem registos. Já por diversas vezes me referi neste espaço a esta matéria e a ela hoje retorno. O Público procurou saber junto dos seus leitores que foram pais em 2012 o que representa a experiência da parentalidade, coragem, irresponsabilidade ou optimismo.
Na verdade, se atentarmos nos tempos que correm e sobretudo nos níveis de esperança em tempos melhores, pode parecer algo de pouco prudente trazer gente nova para o nosso mundo.
Coloco a questão noutros termos. Trazer gente nova, fenómeno inscrito na própria essência de ser gente, pode ser justamente a melhor forma de nos envolvermos na construção de um futuro em que eles caibam, e caibam de forma protegida e bem sucedida, podendo assim constituir-se como uma espécie de "regulador" ético das decisões e comportamentos.
A questão é que em Portugal não temos sido suficientemente competentes na construção de contextos "amigáveis" da paternidade e, portanto, facilitadores das decisões das famílias nesse sentido.
É bom recordar que trabalhos recentes evidenciam que as mulheres portuguesas são de entre as europeias as que mais valorizam a carreira profissional e a família, sendo também vários os estudos que sugerem que as mulheres portuguesas são das que mais tempo trabalham fora de casa, uma primeira questão a ponderar.
Como parece claro, este cenário, menos filhos quando se desejava fortemente compatibilizar maternidade e carreira, exige, já o tenho referido, a urgência do repensar das políticas de apoio à família, veja-se o que se passa noutros países neste universo. Os salários baixos são uma das razões que “obrigam” a que as famílias revejam em baixa, como agora se diz, os projectos relativos a filhos. Por outro lado, Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que, naturalmente, é mais um obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos e que é particularmente relevante em tempos de cortes fortíssimos nos rendimentos familiares.
Não pode ainda esquecer-se a discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais desprotegidas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirirem as mulheres sobre a intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não usarem a licença de maternidade até ao limite, etc.
Toda esta situação torna urgente a definição de políticas de apoio à família com impactos a curto e médio prazo como, por exemplo, a acessibilidade aos equipamentos e serviços para a infância com o alargamento da resposta pública de creche e educação pré-escolar, cuja oferta está abaixo da meta estabelecida. Combater a discriminação salarial e de condições de trabalho através de qualificação e fiscalização adequadas.
Como dizia acima, temos de ser mais competentes na construção de dispositivos legais, institucionais (quantidade, qualidade e acessibilidade das respostas) e económicos mais amigáveis e facilitadores da paternidade.
Voltando à questão colocada pelo Público, se a paternidade representa coragem, irresponsabilidade ou optimimo, acho que tem sobretudo a ver com o entendimento de felicidade de quem assume tal dimensão no seu projecto de vida. Há vida para além da crise.

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