Numa decisão pouco habitual, o Tribunal da Relação
do Porto confirmou a condenação decidida pelo Tribunal de Famalicão da
Universidade Lusíada a indemnizar a família de um aluno que faleceu no âmbito
de um episódio de praxe académica. A questão das praxes académicas será um dos
temas a que mais vezes me refiro neste espaço. Embora não o considere
particularmente estimulante, os discursos e comportamentos a que continuo a assistir
e de que tenho conhecimento todos os anos, levam-me a retornar ao assunto.
Este ano, já não é inédito, como estão lembrados
tivemos em Beja uma ocorrência também com contornos muito graves no contexto
das praxes académicas. Sabemos todos que de há alguns anos para cá estas
situações são comuns bem como são comuns comportamentos de outra natureza mas,
do meu ponto vista, igualmente violentos.
Recordo que há meses, as estruturas que regulam
as praxes de nove universidades e institutos acordaram na elaboração de um documento
comum que estabeleça um conjunto de princípios que permita regular os
comportamentos de praxe e tentar pôr fim aos abusos que regularmente têm vindo
a acontecer, alguns com consequências particularmente graves que, aliás, já
motivaram a tomada de posições proibitivas por parte de algumas reitorias e
direcções de escola. Esta iniciativa revela por parte dos próprios estudantes a
aceitação de situações que devem ser evitadas, daí o esforço de regulação pois
os códigos já existentes não parecem ser suficientes para assegurar o
equilíbrio desejável.
Como várias vezes já aqui afirmei partindo de um
conhecimento razoavelmente próximo deste universo, a regulação dos
comportamento nas praxes parece-me absolutamente indispensável. Parece-me ainda
importante que este movimento de regulação integre o respeito por posições
diferentes por parte dos estudantes sem que daí advenham consequências
implícitas ou explícitas. Estamos a falar de gente crescida e, espera-se, autodeterminada,
seja numa posição favorável ou desfavorável.
Na verdade, de forma aparentemente tranquila
coexistem genuínas intenções de convivialidade, tradição e vida académica com
boçalidade, humilhação e violência sobre o outro, no caso o caloiro. Tenho
assistido a cenas absolutamente deploráveis por mais que os envolvidos lhes
encontrem virtudes.
Apesar dos discursos dos seus defensores, continuo
a não conseguir entender como é que, a título de exemplo, humilhar rima com
integrar, insultar rima com ajudar, boçalidade rima com universidade, abusar
rima com brincar, ofender rima com acolher, violência rima com inteligência ou
coacção rima com tradição. Devo, no entanto sublinhar que não simpatizo com
estratégias de natureza proibicionista, sobretudo em matérias que claramente
envolvem valores. Nesta perspectiva, parece-me um passo positivo a anunciada
iniciativa de regulação que envolverá diferentes academias.
Quando me refiro a esta questão, surgem
naturalmente comentários de pessoas que passaram por experiências de praxe que
não entendem como negativas, antes pelo contrário, afirmam-nas como algo de
positivo na vida universitária. Acredito e obviamente não discuto as
experiências individuais, falo do que assisto.
A minha experiência universitária, dada a época,
as praxes tinham entrado em licença sabática, por assim dizer, foi a de alguém
desintegrado, isolado, descurriculado, dessocializado e taciturno porque não
acedeu ao privilégio e experiência sem igual de ser praxado ou praxar. Provavelmente,
advém daí a minha reserva.
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