terça-feira, 13 de novembro de 2012

A INDOMESTICÁVEL VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

A imprensa divulga hoje o Relatório da Direcção-Geral da Administração Interna sobre o fenómeno da violência doméstica que suscita, de novo, umas notas sobre este universo que permanece, aparentemente, sem alterações positivas. Na verdade, continuam recorrentes as notícias sobre novos episódios.
Segundo o Relatório do Observatório de Mulheres Assassinadas relativo a 2011 registaram-se 27 mortes em contextos de violência doméstica, um número menor que o de 2010, 43 casos, e contabilizam-se 4 queixas de violência doméstica por hora apresentadas às autoridades.
Considerando o Relatório da Direcção-Geral da Administração Interna hoje referenciado, verificou-se em 2011 um decréscimo de participações de casos de violência doméstica embora na UMAR, União das Mulheres Alternativa e Resposta, os pedidos de apoio tenham subido 20%. Parece acentuar-se a desconfiança face ao sistema de justiça, apenas 10 a 15 % recorrem ao apoio e muitas pessoas afirmam que queixas anteriores foram inconsequentes. Do total de inquéritos instaurados, 83 % acabam arquivados, apenas 15 % chegam a julgamento que, com frequência, terminam com condenações. Quando se verificam condenações a maioria, 82 %, é com pena suspensa, veja-se que de 58 sentenças em processos-crime por violência doméstica relatadas à DGAI no primeiro trimestre de 2011, 52 por cento foram absolvições e 48 por cento condenações. Das condenações, apenas 6% merecem pena de prisão efectiva.
No entanto, de acordo ainda com o Relatório da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima sobre 2011, o número de casos reportados de violência doméstica continua aumentar sendo ainda de registar um aumento muito significativo mais de 50% de denúncias realizadas por homens.
Por diferentes ordens de razões e embora a realidade se vá modificando lentamente, veja-se o aumento de denúncias por parte dos homens, parece assumir-se ainda uma espécie de fatalidade face à tolerância do crime de violência doméstica dirigida às mulheres, mas não só, provavelmente. Esta tolerância relativiza-se à dificuldade de prova, ao sistema de valores e situação de dependência emocional e económica de muitas das vítimas, à atitude conservadora de alguns juízes, etc. Permanece ainda com alguma frequência a dificuldade de promover a retirada do agressor do ambiente doméstico, procedendo-se à saída da vítima numa espécie de dupla violência que, aliás, também se verifica em situações de maus tratos a crianças, em que o agressor fica em casa e a criança é “expulsa”.
O quadro é dramático mas não surpreende. Um dos mais devastadores efeitos da situação da nossa justiça é a instalação de um sentimento de impunidade generalizado com consequências incalculáveis. Este é o tipo de mensagem que a justiça não pode passar. No entanto, segundo o Observatório das Mulheres Assassinadas, pode constatar-se alguma maior celeridade e preocupação do sistema de justiça com estes casos, embora tal observação não possa ser estendida ao universo global da violência doméstica.
Este sentimento de impunidade está instalado em todas as áreas da criminalidade, não apenas nas situações de violência doméstica. Atente-se, por exemplo, em quantos casos de corrupção acabam em condenações a prisão efectiva.
De facto, tragicamente, temos que concluir que não é estranho o número muito baixo de detidos e condenados por violência doméstica face ao volume de situações que na realidade ocorrem.

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