O Secretário de Estado da Educação informou hoje
no Parlamento que das 10385 crianças sinalizadas pelos agrupamentos como carecendo
de ajuda alimentar a providenciar no âmbito do Programa "Pequeno almoço na
escola" estão já a ser apoiadas 5547, 51 % do total, através de quatro
empresas aguardando-se que mais duas empresas se envolvam e permita suprir as
dificuldades. Não sei bem como descrever o embraço que me provocou esta afirmação.
Se eu percebi bem, as escolas dizem ter mais de 10 000 meninos que precisam de
apoio alimentar, o MEC diz que já estão apoiados pouco mais de metade. E os
outros? Estão à espera? Estão com fome à espera? Que lhes está a acontecer
enquanto a "sociedade civil", outras duas empresas, se preparam para
lhes providenciar pequeno-almoço? Existe algo de muito feio, por assim dizer,
nesta situação e nesta abordagem.
Sabemos todos, muitos professores e pais têm
vindo a alertar desde o início do ano, do enorme e dramático aumento das
dificuldades das famílias e do aumento do número de famílias que não conseguem
assegurar condições mínimas de qualidade de vida aos seus miúdos. Professores e
directores escolares registam a subida de pedidos de ajuda e da apresentação de
situações de carência, sendo particularmente preocupante a situação de carência
alimentar.
Tem sido recorrentemente noticiada a impotência e
dificuldade de muitas instituições de solidariedade social em responder ao
aumento brutal de pedidos de ajuda das famílias.
Face a este cenário o que temos tido pela frente
é a insistência insensível num caminho de cortes nas áreas sociais e da
educação, no corte insensato e insustentável no rendimento das famílias
produzindo diariamente novos pobres que já nem envergonhados se conseguem
sentir, tamanha é a desesperança que faz aparecer na escola ou nas instituições
de mão estendida. Bom, parece que também poderemos contar com a
responsabilidade social de algumas empresas que suportarão o fornecimento de
pequenos-almoços aos miúdos que as escolas indicaram como necessitados mas que,
quase metade, continuam à espera, disse o Secretário de Estado da Educação.
Notável.
Face a este drama dizem-nos não haver
alternativa. É mentira porque existem alternativas e é crime porque se condena
miúdos a passar a carências graves. A disponibilização do pequeno almoço nas
escolas pecou por tardia, muitas crianças têm como alimentação não muito mais
do que aquilo que as escolas lhes providenciam, como bem sabem as pessoas que
se movem no universo da educação.
As dificuldades das famílias e o que dessas
dificuldades penaliza e ameaça os mais pequenos, é demasiado importante para
que não insistamos nestas questões. Todos os estudos e indicadores identificam
os mais novos como o grupo mais vulnerável ao risco de pobreza que, aliás, tem
vindo a aumentar. Existem concelhos em que a percentagem de crianças
carenciadas ultrapassam os 50% e sabe-se do impacto negativo dos cortes dos
cortes na Acção Social Escolar e no orçamento das autarquias.
As dificuldades que afectam directamente a
população mais nova são algo de assustador. Esta realidade não pode deixar de
colocar um fortíssimo risco no que respeita ao desenvolvimento e sucesso
educativo destes miúdos e adolescentes e portanto, à construção de projectos de
vida bem sucedidos. Como é óbvio, em situações limite como a carência
alimentar, estaremos certamente em presença de outras dimensões de vulnerabilidade
que concorrerão para futuros preocupantes.
Miúdos com fome não aprendem e vão continuar
pobres. Manteremos as estatísticas internacionais referentes a assimetrias,
insucesso e incapacidade de proporcionar mobilidade social através da educação.
Não estranhamos. Dói mas é “normal”, é o destino.
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