A cruzada determinada do
Primeiro-ministro contra o Estado Social vai fazendo o seu caminho. Ontem, em
entrevista televisiva deixou entender que o seu desmantelamento poderia prosseguir
no âmbito dos apoios sociais e da educação pois tem um quadro mais favorável,
portanto mais simples de desmantelar, do que a saúde, embora, se vá tratando
também da saúde, por assim dizer.
Em termos mais práticos, o Primeiro-ministro parece admitir
o recurso ao co-pagamento (famílias e estado), por exemplo no secundário, medida
sustentada pelo que passa no ensino superior em que existem propinas e financiamento
público das universidades e politécnicos.
Antes de umas breve notas, recordo o quadro constitucional
vigente. No Artº 9 (Tarefas fundamentais do Estado) estabelece-se na alínea d) “Promover
o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os
portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais
e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas
e sociais”.No Artº 13º (Princípio da igualdade), o ponto 2 estabelece
que “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de
qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo,
raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou
ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação
sexual.”
Finalmente no Artº 74º
(Ensino) Lê-se “Na realização da política de ensino incumbe ao Estado: a) Assegurar
o ensino básico universal, obrigatório e gratuito; e) Estabelecer
progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino;”
Desta leitura resulta de forma
que creio clara a veiculação do Estado ao providenciar a escolaridade
obrigatória de forma gratuita.
Não sendo eu mal-intencionado,
não acredito que o Primeiro-ministro recorra ao argumento de que, o facto da
alínea a) do Artº 74ª referir “ensino básico” não implicará o financiamento
público do ensino pós-basico, o secundário tal como não financia em exclusivo
ensino superior. A referência constitucional ao ensino básico decorre obviamente
de, até há pouco tempo, o ensino básico corresponder à escolaridade obrigatória.
Se for este o argumento é demasiado pobre e pouco sério.
Por outro lado, o ensino obrigatório
nunca foi gratuito nem universal, vejam as taxas de abandono e os custos incomportáveis
para muitas famílias dos manuais e materiais escolares num quadro em que a
acção social escolar é insuficiente, sendo que, Passos Coelho dixit, sofrerá
mais cortes pois também os apoios sociais vão sendo desmantelados.
Por coincidência, a imprensa
de hoje refere que algumas empresas estão a suportar os pequenos almoços de
miúdos que chegam com fome às escolas.
Uma pequena nota para recordar
a experiência do ensino superior em que, é conhecido e reconhecido, muitos
estudantes estão a abandonar os estudos, por dificuldades suas ou familiares em
assegurar o pagamento das propinas e as bolsas manifestamente insuficientes
para o volume de necessidades, cenário que facilmente se estenderia ao
secundário se avançar o co-pagamento.
Como é também muito claro,
somos um dos países europeus com maior assimetria na distribuição da riqueza, o
que significa que a possibilidade do co-pagamento da educação dos filhos, é
inacessível a muitos milhares de famílias portuguesas.
Este caminho, a acontecer, será
responsável, não só pela gasta expressão de “ameaçar a escola pública”, mas,
sobretudo, pelo enorme risco de potenciar a instalação de condições de
insucesso escolar, abandono, à qualificação que alimenta a mobilidade social, discriminação nas
oportunidades e, finalmente, do comprometimento do direito à educação.
Sabemos todos que, tal como o
Ministro Vítor Gaspar vem afirmando, o Estado Social, tem custos. Relembro que
muitos estudos e a experiência de vários países mostram que é possível
mantê-lo. A questão é que isso obriga a outras prioridades e a outras
políticas.
E existem outras políticas e
é possivel a definição de outras prioridades.
Post-scriptum - Passos Coelho anunciou hoje (2/12) que não pretende proceder à introdução de co-pagamento na escolaridade obrigatória e que tal ideia, para não variar digo eu, foi um erro de interpretação do que anteriormente tinha afirmado. Cambada de mal interpretantes.
2 comentários:
É curioso que ninguém fale no facto da educação ser obrigatória até aos 18 anos, apesar dos livros e material escolar não serem gratuitos para todos.
Isto só prova que a obrigatoriedade não tem de significar forçosamente gratuitidade total, como alguns afirmam.
Se bem leu escrevi isso mesmo no parágrafo 7. De há muito que digo que o ensino (obrigatório) em Portugal não é obrigatório (ainda há tempos uma juíza dispensou uma miúda em idade escolar de frequentar a escola por razões culturais), não é gratuito (os pais sabem bem o custo elevadíssimo de manuais e materiais) e não é universal (veja-se o abandono). Não estranho, de uma forma geral, em Portugal as leis não são imperativas, são indicativas e depois "logo se vê"
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