sexta-feira, 14 de novembro de 2025

CRIANÇAS E LEITURA

 Foram divulgados pelo Instituto da Educação, Qualidade e Avaliação, os resultados do Diagnóstico de Fluência Leitora realizado em Junho envolvendo 92813 alunos do 2.º ano, cerca de 95% dos alunos registados e envolveu também os alunos a frequentar ensino privado.

Considerando globalmente os resultados, os alunos leram correctamente e em média 75 palavras o que se situa no intervalo de referência considerado para o final do 2º ano de aprendizagem, 70 a 130 palavras lidas correctamente, ainda que numa zona baixa desse intervalo

No entanto, cerca de 25% dos alunos não atingiram mais do que 51 palavras o que pode significar “risco de dificuldades futuras de compreensão leitora". Sem surpresa, também se verificaram assimetrias entre alunos do ensino público e privado ou considerando os alunos de nacionalidade não portuguesa.

Como aqui referi na altura de realização do Diagnóstico, são óbvios a importância e o impacto da leitura no conjunto das diferentes literacias como também são importantes os diferentes dispositivos de avaliação externa.

A velocidade de leitura é considerada um preditor da capacidade de compreensão de leitura, mas é fundamental não esquecer dimensões essenciais como compreensão e prosódia.

A grande dificuldade é que as escolas estejam preparadas para desenvolver a intervenção e as estratégias adequadas para promoção das competências de leitura (e as outras) bem como equipadas os necessários recursos. A propósito, notícia de ontem referia que 133 turmas do 1.º ciclo continuam sem professor titular, cerca de 3000 alunos.

O MECI informou que está "a preparar um conjunto de medidas orientadas para o reforço das competências básicas de leitura nos primeiros anos de escolaridade, que serão anunciadas num evento a realizar no dia 3 de Dezembro". Provavelmente, já será trabalho para o “tutor de inteligência artificial” prometido pelo ministro Adjunto e da Reforma do Estado na abertura da Websummit. É verdade que não temos professores suficientes, recursos e equipamentos eficientes as escolas, recordo que a verba destinada à instalação de equipamento das escolas para acesso à net por wi-fi saiu do PRR, mas ... são pormenores.

Como já aqui tenho escrito, os livros e a leitura são bens de primeira necessidade para gente de todas as idades donde a insistência. Recordo sempre Marguerite Yourcenar que em “As Memórias de Adriano” escrevia “A palavra escrita ensinou-me a escutar a voz humana.”

São múltiplos os estudos e referências que sublinham o impacto dos livros e da leitura no desenvolvimento e múltiplas competências escolares bem como no trajecto pessoal. Lamentavelmente, são também muitos os trabalhos que mostram que os hábitos de leitura são pouco consistentes entre as crianças, adolescentes e jovens como, sem surpresa, também o são entre a população em geral. Nos últimos tempos parece estar a despertar um maior interesse pelos livros, sobretudo entre os mais novos, associado a um fenómeno das redes sociais, os booktokers que lêem e divulgam livros no TikToK. Esperemos que se mantenha e fortaleça.

Os livros têm uma concorrência fortíssima com outro tipo de materiais, telemóveis, jogos ou consolas por exemplo, e que nem sempre é fácil levar as crianças, jovens ou adultos a outras opções, designadamente aos livros.

Apesar de tudo isto também sabemos que é possível fazer diferente, mesmo que pouco e com mudanças lentas.

Só se aprende a ler lendo e o essencial é criar leitores que, quando o forem, procurarão o que ler, livros por exemplo, em que espaços, biblioteca, casa ou escola e em que suportes, papel ou digital.

Um leitor constrói-se desde o início do processo educativo, escolar e familiar. Desde logo assume especial importância o ambiente de literacia familiar e o envolvimento das famílias neste tipo de situações, através de actividades que desde a educação pré-escolar e 1º ciclo deveriam ser estimuladas, muitas vezes são, e para as quais poderiam ser disponibilizadas aos pais algumas orientações. No entanto, é preciso não esquecer e reflectir nas consequências de se ir construindo uma escola que, como referia António Nóvoa, vai ficando cada vez mais obesa e que, apesar do tempo enorme que os miúdos passam lá passam, não pode, e talvez não deva, ensinar o "imenso tudo" que parece ser necessário saber nos tempos que correm.

Apesar dos esforços de muitos docentes, a relação de muitas crianças, adolescentes e jovens com os materiais de leitura e escrita assentará, provavelmente de forma excessiva, nos manuais ou na realização de trabalhos através da milagrosa “net” proliferando o apressado “copy, paste” ou resumos disponíveis das obras que são de leitura obrigatória ou recomendada.

 Neste contexto, embora desejasse muito estar enganado, não é fácil construir miúdos ou adolescentes leitores que procurem livros em casa, em bibliotecas escolares ou outras e que usem o "tablet" também para ler e não apenas para uma outra qualquer actividade da oferta sem fim que está disponível. A iniciativa dos booktokers que referi acima pode ser um bom sinal.

Felizmente e apesar das dificuldades também importa sublinhar que se realizam com regularidade experiências muito interessantes em contextos escolares no âmbito do Plano Nacional de Leitura e da Rede de Bibliotecas Escolares com os professores bibliotecários têm desenvolvido um trabalho essencial, ou em iniciativas mais alargadas a outras entidades como autarquias e instituições culturais. Esperemos que continue a existir e os professores continuem a poder realizar o seu trabalho.

Sabemos, sem dúvida, que precisamos de criar leitores e sendo leitores irão à procura dos livros ou da leitura, mesmo em tempos menos favoráveis.

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