Foram divulgados pelo Instituto da Educação, Qualidade e Avaliação, os resultados do Diagnóstico de Fluência Leitora realizado em Junho envolvendo 92813 alunos do 2.º ano, cerca de 95% dos alunos registados e envolveu também os alunos a frequentar ensino privado.
Considerando globalmente os resultados, os alunos leram correctamente e em média 75 palavras o que se
situa no intervalo de referência considerado para o final do 2º ano de
aprendizagem, 70 a 130 palavras lidas correctamente, ainda que numa zona baixa
desse intervalo
No entanto, cerca de 25% dos alunos
não atingiram mais do que 51 palavras o que pode significar “risco de
dificuldades futuras de compreensão leitora". Sem surpresa, também se
verificaram assimetrias entre alunos do ensino público e privado ou considerando
os alunos de nacionalidade não portuguesa.
Como aqui referi na altura de
realização do Diagnóstico, são óbvios a importância e o impacto da leitura no conjunto das diferentes literacias como também são importantes os diferentes dispositivos
de avaliação externa.
A velocidade de leitura é
considerada um preditor da capacidade de compreensão de leitura, mas é
fundamental não esquecer dimensões essenciais como compreensão e prosódia.
A grande dificuldade é que as escolas
estejam preparadas para desenvolver a intervenção e as estratégias adequadas
para promoção das competências de leitura (e as outras) bem como equipadas os necessários recursos. A propósito, notícia de ontem referia que 133 turmas do 1.º ciclo continuam sem professor titular,
cerca de 3000 alunos.
O MECI informou que está "a
preparar um conjunto de medidas orientadas para o reforço das competências
básicas de leitura nos primeiros anos de escolaridade, que serão anunciadas num
evento a realizar no dia 3 de Dezembro". Provavelmente, já será trabalho
para o “tutor de inteligência artificial” prometido pelo ministro Adjunto e da
Reforma do Estado na abertura da Websummit. É verdade que não temos professores
suficientes, recursos e equipamentos eficientes as escolas, recordo que a verba
destinada à instalação de equipamento das escolas para acesso à net por wi-fi saiu
do PRR, mas ... são pormenores.
Como já aqui tenho escrito, os
livros e a leitura são bens de primeira necessidade para gente de todas as
idades donde a insistência. Recordo sempre Marguerite Yourcenar que em “As
Memórias de Adriano” escrevia “A palavra escrita ensinou-me a escutar a voz
humana.”
São múltiplos os estudos e
referências que sublinham o impacto dos livros e da leitura no desenvolvimento
e múltiplas competências escolares bem como no trajecto pessoal. Lamentavelmente, são também
muitos os trabalhos que mostram que os hábitos de leitura são pouco consistentes
entre as crianças, adolescentes e jovens como, sem surpresa, também o são entre
a população em geral. Nos últimos tempos parece estar a despertar um maior
interesse pelos livros, sobretudo entre os mais novos, associado a um fenómeno
das redes sociais, os booktokers que lêem e divulgam livros no TikToK.
Esperemos que se mantenha e fortaleça.
Os livros têm uma concorrência
fortíssima com outro tipo de materiais, telemóveis, jogos ou consolas por
exemplo, e que nem sempre é fácil levar as crianças, jovens ou adultos a outras
opções, designadamente aos livros.
Apesar de tudo isto também
sabemos que é possível fazer diferente, mesmo que pouco e com mudanças lentas.
Só se aprende a ler lendo e o
essencial é criar leitores que, quando o forem, procurarão o que ler, livros
por exemplo, em que espaços, biblioteca, casa ou escola e em que suportes,
papel ou digital.
Um leitor constrói-se desde o
início do processo educativo, escolar e familiar. Desde logo assume especial
importância o ambiente de literacia familiar e o envolvimento das famílias
neste tipo de situações, através de actividades que desde a educação pré-escolar
e 1º ciclo deveriam ser estimuladas, muitas vezes são, e para as quais poderiam
ser disponibilizadas aos pais algumas orientações. No entanto, é preciso não esquecer e reflectir nas consequências de se ir construindo uma escola que, como referia António Nóvoa, vai ficando cada vez mais obesa e que, apesar do tempo enorme que os miúdos passam lá passam, não pode, e talvez não deva, ensinar o "imenso tudo" que parece ser necessário saber nos tempos que correm.
Apesar dos esforços de muitos
docentes, a relação de muitas crianças, adolescentes e jovens com os materiais
de leitura e escrita assentará, provavelmente de forma excessiva, nos manuais
ou na realização de trabalhos através da milagrosa “net” proliferando o
apressado “copy, paste” ou resumos disponíveis das obras que são de leitura
obrigatória ou recomendada.
Neste contexto, embora desejasse muito estar
enganado, não é fácil construir miúdos ou adolescentes leitores que procurem
livros em casa, em bibliotecas escolares ou outras e que usem o
"tablet" também para ler e não apenas para uma outra qualquer
actividade da oferta sem fim que está disponível. A iniciativa dos booktokers
que referi acima pode ser um bom sinal.
Felizmente e apesar das
dificuldades também importa sublinhar que se realizam com regularidade
experiências muito interessantes em contextos escolares no âmbito do Plano
Nacional de Leitura e da Rede de Bibliotecas Escolares com os professores
bibliotecários têm desenvolvido um trabalho essencial, ou em iniciativas mais
alargadas a outras entidades como autarquias e instituições culturais. Esperemos
que continue a existir e os professores continuem a poder realizar o seu trabalho.
Sabemos, sem dúvida, que
precisamos de criar leitores e sendo leitores irão à procura dos livros ou da leitura,
mesmo em tempos menos favoráveis.
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