domingo, 9 de novembro de 2025

UMA HISTÓRIA DO TEMPO DA PALMATÓRIA (que raio de rima)

 Na última newsletter semanal do Público sobre Educação na área “AULA DE HISTÓRIA” abordava-se uma temática mesmo histórica, “Educar com ou sem palmatória?”, com um pequeno texto e muito curioso.

Felizmente, para a generalidade dos alunos de hoje as referências à palmatória surgirão em conversas como os pais ou, mais provavelmente, com os avós.

E a verdade é que o tema me fez viajar no tempo, a minha primária no início dos anos 60 e recordar uma história cujo herói, as histórias têm sempre um herói, ainda há poucos dias aqui o referi.

Na verdade, da nossa vida fazem parte alguns heróis, uns de ficção que aparecem junto de nós transportados nos livros ou nos filmes, que passam a ser companhias próximas e parceiros de aventuras, outros inventados pela fantasia que se vai modificando à medida que se cresce e outros, reais, porque em algum momento realizaram acções ou comportamentos que os tornaram heróis aos nossos olhos, às vezes, durante pouco tempo, outras vezes permanecendo com essa aura sempre que nos lembramos deles.

Um dos meus heróis reais de miúdo foi o meu amigo Fernando, colega de primária. Já vos falei dele, tinha os melhores pés para o futebol que alguma vez vi naquelas idades, ajudava-nos a ganhar quase sempre os jogos com o pessoal de fora. Era também um herói que resistia a um pai que lhe batia brutalmente, nunca me esqueci de como às vezes o víamos. Não acontecia nada, os miúdos não tinham direitos e os pais eram donos dos filhos e uma cultura de que uma tareia educa.

Mas o que o tornou mesmo o Fernando um herói foi a sua atitude revolucionária face ao terror da nossa escola, a Régua, é verdade, a Régua ou a palmatória.

O que nós sofremos com aquela Régua, apanhávamos pelos erros, pelas contas mal feitas, por atraso ou distracção, por comportamento. Podia dizer-se que levávamos reguadas por dois motivos fundamentais, por tudo e por nada. Às vezes, num requinte de fino recorte, o professor dizia a um de nós para bater no colega e se achasse que nós batíamos devagar, dava ele nos dois. Tínhamos um indescritível amor à Régua.

Um dia, o Fernando, um dos mais frequentes e bons utilizadores dos serviços da Régua trouxe uma ideia, roubar a Régua. Todos nos entusiasmámos com a lembrança e com a adrenalina da acção e a coisa foi combinada, muito bem combinada, mesmo coisa de profissionais. Um grupo pequeno, à saída, pediu ao professor para ir ver algo nas traseiras da escola enquanto o Fernando, o herói, ficou na sala e roubou a malvada Régua. Nesse dia à tarde, depois da escola, ainda não tinham inventado o dia inteiro de intoxicação escolar e ainda se brincava na rua, juntámo-nos num espaço discreto e imaginem, queimámos a Régua. O Fernando, o herói, acendeu o fósforo da fogueirinha em que a Régua se finou, merecia.

No outro dia, para não variar, o professor procurou a Régua na gaveta da secretária e, claro, não a encontrou. Vociferou, perguntou se sabíamos quem a tinha tirado, o grupo calou-se, todo, ficámos sem intervalo, mas ganhámos um herói, o Fernando.

Dias depois, apareceu uma Régua nova na sala e …

Mas isto era coisas de outro tempo.

Depois da primária nunca mais soube do Fernando e também nunca o esqueci.

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