Ontem deixei umas notas a propósito dos dados divulgados pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência relativos ao desempenho dos alunos do básico entre 2011-12 e 2023-24. Exceptuando os anos da pandemia a retenção parece revelar alguma estabilização, a taxa de retenção ou desistência foi em 23/24 de 3,9%, face a 3,8% em 23/23.
Um outro dado relevante é a
dificuldade de recuperação em Matemática após uma retenção e o peso da nota de
matemática na retenção. No 9.º ano apenas 29,6% dos alunos com “chumbo” conseguem
nota positiva no ano seguinte e 96,6% dos alunos retidos a Matemática no 9.º
ano têm nota negativa nesta disciplina.
Como escrevi quando foram
divulgados os resultados deste ano, acentua-se a preocupação com o nível
genérico de conhecimento dos alunos na disciplina de Matemática, área de
conhecimento nuclear e que alimenta outras áreas do saber.
Hoje, uma reflexão num sentido
diferente, a questão da retenção e, sobretudo, dos seus efeitos que parecem
insuficientes a ver pelos resultados divulgados, apenas um em cada quatro
alunos do 9.º ano tem nota positiva no ano seguinte ao “chumbo”.
Também sei pela experiência de
muitos anos a abordar a questão da retenção e dos seus efeitos que rapidamente emergem
os comentários falando do “passar sem saber” da “pressão para compor
estatísticas”, de "têm que chumbar e trabalhar mais", de
"facilitismo", etc.
Recordo que no Relatório
“Low-Performing Students - Why They FallBehind and How To Help Them Succeed”
divulgado pela OCDE já em 2017 evidenciava que o “chumbo”, a retenção, era, e
parece que ainda é, para os alunos portugueses o principal factor de risco para
os resultados na avaliação posterior, dito de outra maneira, os alunos chumbam
… mas não melhoram.
Insisto, chumbar não melhora os
resultados dos alunos independentemente de situações individuais bem-sucedidas.
O peso da retenção no nosso
sistema escolar parece assentar na errada convicção de que a repetição só por
si conduz ao sucesso e alimenta o que também a OCDE já classificou de
"cultura da retenção". Importa ainda considerar o impacto económico
desta cultura que diferentes estudos têm mostrado.
Confesso sempre alguma surpresa
quando ao discutir-se os efeitos pouco positivos da retenção de tantos alunos em
cada ano, algumas vozes, mesmo dentro do universo da educação, clamam que se
está a promover o "facilitismo" ou a defender que "então passam
sem saber".
Como me parece evidente não é
dada disto. Diferentes países com taxas de retenção baixas e não consta, que os
alunos transitem de ano sem conhecimentos como, aliás, se evidencia nos
resultados nos estudos comparativos internacionais.
A questão é saber se o chumbo
transforma o insucesso em sucesso. Não transforma, repetir só por repetir não
produz sucesso, aliás gera mais insucesso conforme a evidência e a experiência
mostram. Muitos estudos internacionais, incluindo o nosso sistema, também
mostram que os alunos que começam a chumbar, tendem a continuar a chumbar, ou
seja, a simples repetição do ano, não é para muitos alunos, suficiente para os
devolver ao sucesso. Os franceses utilizam de há muito a fórmula “qui redouble,
redoublera” quando referem esta questão.
Nesta conformidade e do meu ponto
de vista, a questão central não será o chumba, não chumba, mas sim que tipo de
apoios, que medidas e recursos devem estar disponíveis para alunos, professores
e famílias desde o início da percepção de dificuldades com o objectivo de
evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É necessário
diversificar percursos de formação com diferentes cargas académicas e
finalizando sempre com formação profissional. Importa ainda que as políticas
educativas sejam promotoras de condições de sucesso para alunos e professores.
O número de alunos por turma no Ensino Básico e no Secundário, a forma como
foram definidas as metas curriculares, a cultura de competição e centrada
exclusivamente em resultados, os cortes no número de docentes que poderiam
desenvolver dispositivos de apoio, são apenas alguns exemplos do que não deve
ser feito se, efectivamente, se quiser promover qualidade e sucesso. Sim, eu
sei da dramática falta de docentes, mas também esta questão foi resultado de
políticas públicas claramente falhadas e sem responsabilidades assumidas.
Como é evidente este tipo de
discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito
menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação,
uma tentação a que nem sempre se resiste.
Os alunos que “passam sem saber”
e a quem, por razões de natureza diferente, recursos por exemplo, não é
disponibilizado apoio nos anos seguintes, ou os alunos que são retidos sem que
no ano seguinte também e pelas mesmas razões não acedem a apoios adequados e
competentes estão condenados ao insucesso e à exclusão. Repito condenados à
exclusão, quer “passem sem saber” quer chumbem porque “têm de trabalhar mais” e
não “podem passar sem saber”.
Assim sendo, o essencial é
promover e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos
adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz
medida do chumbo.
É fundamental não esquecer que o
insucesso continua a atingir fundamentalmente os alunos oriundos de famílias
com pior condição económica e social pelo que inibe o objectivo da mobilidade
social, replicando o velho "tal pai, tal filho". A associação entre o
insucesso e a pobreza em Portugal é, aliás, a mais forte entre os países
europeus. Também sabemos que miúdos que passam mal aprendem pior e chumbar só
para não “passarem sem saber” ou “passarem sem saber” e esperar que melhorem … não tem bom resultado.
É necessário também diversificar
percursos de formação com diferentes cargas académicas e finalizando sempre com
formação profissional, mas não em idades precoces criando percursos
irreversíveis de "segunda" para os "sem jeito para a
escola" e "preguiçosos".
A qualidade promove-se, é certo e
deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim,
naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a
definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio
a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas
educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos
adequados de autonomia, organização e funcionamento das escolas, com a
definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.
É o que acontece, genericamente,
nos países com mais baixas taxas de retenção escolar.
É o que temos de fazer acontecer
em Portugal.
É o que espera das políticas
públicas.
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