O I traz hoje uma
peça inquietante sobre os catadores de lixo, gente que tenta sobreviver com o
desperdício ou restos da vida dos outros.
Recordo que há uns
meses o administrador de uma empresa intermunicipal de recolha e
valorização de resíduos sólidos, o chamado "lixo", se insurgia e
pedia coimas para o crescente "roubo" que se verifica por parte de
pessoas que vão "catar" os contentores numa concorrência desleal com
a empresa. O Senhor Administrador achava que este "crime" dos
"catadores de lixo" é "uma situação própria de países do
terceiro mundo", sendo necessário tomar medidas para travar este roubo, coimas
ou, porque não, perguntei na altura, a prisão ou um campo de trabalho.
Também já aqui há uns tempos foi noticiado
que os municípios estão a sofrer a concorrência ilegal dos catadores ou
farrapeiros, na recolha de papel e cartão para reciclar, uma actividade em
relativo desaparecimento até há algum tempo em Portugal. Era coisa de outras
paragens, mais pobres.
Na verdade, as agruras que a vida de muita gente
atravessa fazem com que famílias inteiras se dediquem a esta actividade, aliás,
frequente há alguns anos. Estes catadores retiram os materiais que estão
depositados nos contentores municipais ou fazem mesmo a recolha directa junto
de estabelecimentos, o que também é compensador para estes. Este negócio começa
a reflectir-se negativamente nos rendimentos das autarquias.
O Senhor Administrador, inquieto com a actividade
concorrencial dos catadores que o I hoje retrata, não revelou um
sobressalto com o que leva esses criminosos "catadores de lixo"
à grave delinquência cometida. Seria pedir de mais em termos de sensibilidade e
solidariedade.
Este cenário, catar lixo nos contentores ou andar
em busca do papel e cartão, fazem parte de uma coreografia da
fome protagonizada por personagens de um filme negro que deambulam junto dos
caixotes do lixo dos supermercados, catando lixo, papel e cartão ou os restos
e sobras de alimentos que, no espaço da UE, representam metade do que se
consome, e que segundo números oficiais divulgados por Bruxelas recentemente
serão cerca de 79 milhões de pessoas em risco de pobreza e exclusão, 2,7
dos quais em Portugal.
Este trabalho sobre os catadores de lixo,
recordou-me o notável e lindíssimo “Os Respigadores e a Respigadora”, de Agnès
Varda, sendo que não é uma obra de arte, é uma acusação pesadíssima.
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