sábado, 2 de novembro de 2013

OS NOVOS RESPIGADORES DE UM TEMPO MUITO FEIO


O I traz hoje uma peça inquietante sobre os catadores de lixo, gente que tenta sobreviver com o desperdício ou restos da vida dos outros.
Recordo que há uns meses o administrador de uma empresa intermunicipal de recolha e valorização de resíduos sólidos, o chamado "lixo", se insurgia e pedia coimas para o crescente "roubo" que se verifica por parte de pessoas que vão "catar" os contentores numa concorrência desleal com a empresa. O Senhor Administrador achava que este "crime" dos "catadores de lixo" é "uma situação própria de países do terceiro mundo", sendo necessário tomar medidas para travar este roubo, coimas ou, porque não, perguntei na altura, a prisão ou um campo de trabalho.
Também já aqui há uns tempos foi noticiado que os municípios estão a sofrer a concorrência ilegal dos catadores ou farrapeiros, na recolha de papel e cartão para reciclar, uma actividade em relativo desaparecimento até há algum tempo em Portugal. Era coisa de outras paragens, mais pobres.
Na verdade, as agruras que a vida de muita gente atravessa fazem com que famílias inteiras se dediquem a esta actividade, aliás, frequente há alguns anos. Estes catadores retiram os materiais que estão depositados nos contentores municipais ou fazem mesmo a recolha directa junto de estabelecimentos, o que também é compensador para estes. Este negócio começa a reflectir-se negativamente nos rendimentos das autarquias.
O Senhor Administrador, inquieto com a actividade concorrencial dos catadores que o I hoje retrata, não revelou um sobressalto com o que leva esses criminosos "catadores de lixo" à grave delinquência cometida. Seria pedir de mais em termos de sensibilidade e solidariedade.
Este cenário, catar lixo nos contentores ou andar em busca do papel e  cartão, fazem parte de uma coreografia da fome protagonizada por personagens de um filme negro que deambulam junto dos caixotes do lixo dos supermercados, catando lixo, papel e cartão ou os restos e sobras de alimentos que, no espaço da UE, representam metade do que se consome, e que segundo números oficiais divulgados por Bruxelas recentemente serão cerca de 79 milhões de pessoas em risco de pobreza e exclusão, 2,7 dos quais em Portugal.
Este trabalho sobre os catadores de lixo, recordou-me o notável e lindíssimo “Os Respigadores e a Respigadora”, de Agnès Varda, sendo que não é uma obra de arte, é uma acusação pesadíssima.

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