segunda-feira, 4 de novembro de 2013

O IMPOSSÍVEL CONSENSO

O Presidente da República voltou a uma das suas mais predilectas referências, o consenso entre os partidos do chamado arco da governação.
Nada de novo e também nada que se possa esperar. Recordo uma afirmação anterior de Cavaco Silva sobre a mesma questão. “O consenso político não é aquele que talvez eu gostaria e que outros gostariam, mas a responsabilidade é totalmente dos partidos políticos”, afirmou em Junho deste ano.
É verdade Presidente. Contrariamente ao que a maioria das lideranças parece acreditar, incluindo o Senhor, a realidade não é a projecção dos nossos desejos, diariamente ouvimos discursos dizendo-nos, por exemplo, que estamos no bom caminho que boa parte dos portugueses não percebe face às inúmeras dificuldades que sentem.
E o Senhor sabe bem, sim não vale a pena dizer que não é político, que na cultura e na praxis política que temos, “consenso” ou variantes como “pacto de regime”, “desígnio”, “grande projecto”, etc., fazem parte do núcleo duro da retórica política e constituem referências obviamente inconsequentes.
A partidocracia instalada leva a que, na generalidade das matérias, os interesses partidários se sobreponham aos interesses gerais, a conflitualidade que sendo importante e muitas vezes estimulante e promotora de mudança, é assente em corporações de interesses e clientelas que inibem a definição de rumos e de perspectivas que visem o interesse geral. O Presidente, o Primeiro-ministro, os parceiros sociais, as lideranças partidárias e sociais sabem-no bem, fazem parte do sistema, pelo que os seus discursos se inscrevem no próprio funcionamento do sistema e que conduz ao que temos, sendo que as alternativas prováveis não são particularmente animadoras.
A conflitualidade inerente aos interesses da partidocracia e as visões do que se tem vindo a chamar a reforma do estado, que acabam por se direccionar sobretudo para o chamado estado social e a sua profunda alteração, tornam obviamente impossível o estabelecimento formal do tal entendimento alargado ou consenso.
O que a história a autoriza a considerar como plausível, é a definição de cenários de poder que,  com base numa "negociação" mais ou menos discreta e que não ameace a alternância de governo por parte dos chamados partidos do arco do poder pois, em substância, a questão é justamente o poder. As experiências governativas envolvendo "entendimentos" entre PS e PSD mostram isso mesmo, morrem, pois acabam por não "servir" a nenhum deles.
Assim sendo, os partidos, movimentos ou cidadãos que não têm voz nos corredores do poder, ficarão sempre de fora do entendimento ou do consenso pelo que o poder mesmo que em alternância, é a democracia a funcionar, dirão, acaba por estar basicamente nas mesmas mãos, sendo que estes que não "chegam" a estar representados no poder são a maioria.
Não vale a pena, pois, dar excessiva importância aos apelos a entendimentos e consensos alargados pois, obviamente, não servem os interesses imediatos da luta pelo poder e não passam de retórica gasta e, naturalmente, sem consequências.
As implicações de tudo isto na vida das pessoas ... bom, isso é uma outra história bastante mais preocupante e dramática.
Parece-me cada vez mais urgente a reflexão sobre os modelos de organização da actividade política, alimentador da partidocracia instalada, sobretudo na importância de promover a emergência de formas de participação cívica fora dos aparelhos partidários, é o que melhor se adequa à construção de sociedades modernas, abertas, participativas e preocupadas com a vida colectiva. Tal caminho criaria também uma pressão externa para a reforma dos discursos e praxis próprios partidos.
A "desilusão" e "descrença" com a democracia parece-me na verdade algo de preocupante, instalando de mansinho um caldo de cultura favorável à emergência de derivas de natureza não democrática de contornos populistas e demagógicos, produtos altamente perigosos e inflamáveis.

Sem comentários: