O Presidente
da República voltou a uma das suas mais predilectas referências, o consenso
entre os partidos do chamado arco da governação.
Nada de
novo e também nada que se possa esperar. Recordo uma afirmação anterior de
Cavaco Silva sobre a mesma questão. “O consenso político não é aquele que
talvez eu gostaria e que outros gostariam, mas a responsabilidade é totalmente
dos partidos políticos”, afirmou em Junho deste ano.
É
verdade Presidente. Contrariamente ao que a maioria das lideranças parece
acreditar, incluindo o Senhor, a realidade não é a projecção dos nossos
desejos, diariamente ouvimos discursos dizendo-nos, por exemplo, que estamos no
bom caminho que boa parte dos portugueses não percebe face às inúmeras
dificuldades que sentem.
E o
Senhor sabe bem, sim não vale a pena dizer que não é político, que na cultura e
na praxis política que temos, “consenso” ou variantes como “pacto de regime”,
“desígnio”, “grande projecto”, etc., fazem parte do núcleo duro da
retórica política e constituem referências obviamente inconsequentes.
A partidocracia instalada leva a que, na
generalidade das matérias, os interesses partidários se sobreponham aos
interesses gerais, a conflitualidade que sendo importante e muitas vezes
estimulante e promotora de mudança, é assente em corporações de interesses e
clientelas que inibem a definição de rumos e de perspectivas que visem o
interesse geral. O Presidente, o Primeiro-ministro, os parceiros sociais, as
lideranças partidárias e sociais sabem-no bem, fazem parte do sistema, pelo que
os seus discursos se inscrevem no próprio funcionamento do sistema e que conduz
ao que temos, sendo que as alternativas prováveis não são particularmente
animadoras.
A conflitualidade inerente aos interesses da partidocracia
e as visões do que se tem vindo a chamar a reforma do estado, que acabam por se
direccionar sobretudo para o chamado estado social e a sua profunda alteração,
tornam obviamente impossível o estabelecimento formal do tal entendimento
alargado ou consenso.
O que a história a autoriza a considerar como
plausível, é a definição de cenários de poder que, com base numa "negociação" mais ou
menos discreta e que não ameace a alternância de governo por parte dos chamados
partidos do arco do poder pois, em substância, a questão é justamente o poder.
As experiências governativas envolvendo "entendimentos" entre PS e
PSD mostram isso mesmo, morrem, pois acabam por não "servir" a nenhum
deles.
Assim sendo, os partidos, movimentos ou cidadãos
que não têm voz nos corredores do poder, ficarão sempre de fora do entendimento
ou do consenso pelo que o poder mesmo que em alternância, é a democracia a
funcionar, dirão, acaba por estar basicamente nas mesmas mãos, sendo que estes
que não "chegam" a estar representados no poder são a maioria.
Não vale a pena, pois, dar excessiva importância
aos apelos a entendimentos e consensos alargados pois, obviamente, não servem
os interesses imediatos da luta pelo poder e não passam de retórica gasta e,
naturalmente, sem consequências.
As implicações de tudo isto na vida das pessoas
... bom, isso é uma outra história bastante mais preocupante e dramática.
Parece-me cada vez mais urgente a reflexão sobre
os modelos de organização da actividade política, alimentador da partidocracia
instalada, sobretudo na importância de promover a emergência de formas de participação
cívica fora dos aparelhos partidários, é o que melhor se adequa à construção de
sociedades modernas, abertas, participativas e preocupadas com a vida
colectiva. Tal caminho criaria também uma pressão externa para a reforma dos
discursos e praxis próprios partidos.
A "desilusão" e "descrença" com
a democracia parece-me na verdade algo de preocupante, instalando de mansinho
um caldo de cultura favorável à emergência de derivas de natureza não
democrática de contornos populistas e demagógicos, produtos altamente perigosos
e inflamáveis.
Sem comentários:
Enviar um comentário