Entrou hoje em vigor o Estatuto do Ensino Particular
e Cooperativo, peça fundamental, no cumprimento da agenda do Ministro Nuno
Crato, a implosão da escola pública. O Diploma como é evidente foi considerado
como “muito positivo” pela Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular
e Cooperativo, claro.
No Diploma são consideradas
cinco modalidades de contratos entre o Estado e as escolas particulares:
contratos de associação, patrocínio, cooperação, desenvolvimento de apoio às
famílias e contratos simples de apoio às famílias.
Estas duas últimas modalidades têm por objectivo
“apoiar a frequência de escolas de ensino particular e cooperativo por parte de
todos os alunos do ensino básico e do ensino secundário, não abrangidos por
outros contratos”, e terão como instrumento o cheque ensino atribuído às
famílias que, sob o princípio interessante e a considerar da liberdade de
escolha, matriculem os seus filhos em estabelecimentos privados.
Para além de outras alterações é de salientar que
os contratos de associação podem ser estabelecidos independentemente da
existência de oferta pública nessa área geográfica permitindo assim e com
cobertura legal o que já se verificava, o financiamento público dos interesses
privados, despudoradamente.
Deixando de lado as outras modalidades,
designadamente no que respeita a custos para o Estado, as tais contas que nunca
dão certas, os números dizem o que os interesses ditam, embora com alguma
segurança se possa afirmar que no ensino público que o custo é menor, sobretudo
após os cortes brutais de investimento e de recursos humanos, funcionários e
professores, vejamos, de novo a questão do cheque-ensino, também conhecido como
cheque-educação.
Quero antes de mais sublinhar de novo que a
existência de um subsistema educativo de ensino privado é absolutamente
necessário para, por um lado permitir alguma liberdade de escolha, ainda que
condicionada, por parte das famílias e, por outro lado, como forma de pressão
sobre a qualidade do ensino público. Também já tenho referido que a chamada liberdade
de educação, a escolha livre por parte dos pais dos estabelecimentos, públicos
ou privados, em que querem os seus filhos educados, no modelo actual do nosso
sistema educativo é, do meu ponto de vista, um enorme equívoco.
No que respeita às escolas públicas, conheço
muitas situações de grande dificuldade ou mesmo impossibilidade de matrícula de
uma criança em diferentes escolas da mesma zona, situação que as mudanças
actuais, concentração de alunos em agrupamentos e mega-agrupamentos, estão a
agravar e que muitas famílias sentem.
Por outro lado, no que respeita ao cheque-ensino
e à liberdade de escolha dos pais, as experiências de vários países,
sempre referidas, assentam genericamente num princípio que quando se fala entre
nós desta hipótese é sempre esquecido e que também não consta dos princípios
hoje enunciados por Nuno Crato, isto é, a obrigatoriedade (a questão central)
de aceitar qualquer criança. A proposta agora conhecida creio que também não
contempla, evidentemente, esta obrigatoriedade, talvez a proposta já não
fosse tão bem acolhida pela generalidade dos estabelecimentos de ensino.
Acresce que os estudos sobre os efeitos deste tipo de modalidades não são
conclusivos, longe disso, como há algum tempo um trabalho divulgado no
Público sublinhava.
Na verdade, como todos sabemos, sem um carácter
de obrigatoriedade muitas instituições de ensino privado não receberão nunca
alguns alunos, independentemente de poderem ser financiados de formas
diferenciadas.
Não é uma questão económica, é uma questão de
defender a instituição de situações de risco que lhe comprometam a imagem de
excelência ou a posição nos rankings, sejam os dos resultados escolares sejam
os do "capital social" que detêm. A cultura mais generalizada entende
os estabelecimentos de ensino privado como exclusivos e muitos deles são
profundamente selectivos na população que acolhem, aliás muitos pais
"compram", por assim dizer, essa exclusividade.
Por outro lado e curiosamente, aos
estabelecimentos de ensino privado é concedido um nível de autonomia pedagógica
e curricular superior à escola pública que não pode ser apenas justificado por
serem privados, pois a autonomia é uma ferramenta de desenvolvimento da
qualidade, também na escola pública.
Insisto de há muito que a melhor forma de proteger
a liberdade de educação é uma fortíssima cultura de qualidade, autonomia e
exigência na escola pública e uma acção social escolar eficaz e oportuna. Assim
teremos mais facilmente boas escolas, públicas ou privadas.
No entanto, cada vez é mais claro que este não é
o entendimento de quem actualmente gere os destinos da educação em Portugal.
É uma questão de agenda, evidentemente.
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