domingo, 2 de junho de 2013

UM PROGRAMA NOVO QUE DE NOVO ... TRAZ PROBLEMAS

A Associação de Professores de Matemática volta a defender no parecer sobre o novo Programa de Matemática que esteve em discussão pública que este “irá conduzir a um sério retrocesso no ensino da Matemática com prejuízo nas aprendizagens dos alunos”. Nesta contexto retomo algumas notas anteriores.
Há umas semanas quando o Programa foi colocado em discussão, o Ministro Nuno Crato sustentou a iniciativa com a “grande liberdade metodológica aos professores”, para ensinarem de acordo com “a sua experiência, as suas técnicas e a sua sala de aula” face a um programa moderno e com "objectivos mais facilmente perceptíveis". O Ministro insistiu que "a ideia foi sempre dar esta liberdade metodológica”, para que cada docente fique livre de definir o seu próprio método de ensino dos diversos conceitos. Muito bem. Confesso que me pareceu, escrevi na altura, um pouco estranha a afirmação, como se as opções didácticas e pedagógicas de profissionais cientificamente preparados fossem determinadas pelo Ministério, algo que até no plano ético e deontológico é discutível. Ainda assim e à cautela, fica bem agradecer ao MEC a "liberdade" concedida aos professores.
Voltando às metodologias, no Documento em discussão, no seu ponto 6 lê-se "Tendo em consideração, tal como para os níveis de desempenho, as circunstâncias de ensino (de modo muito particular, as características das turmas e dos alunos), as escolas e os professores devem decidir quais as metodologias e os recursos mais adequados para auxiliar os seus alunos a alcançar os desempenhos definidos nas Metas Curriculares.
A experiência acumulada dos professores e das escolas é um elemento fundamental no sucesso de qualquer projeto educativo, não se pretendendo, por isso, espartilhar e diminuir a sua liberdade pedagógica nem condicionar a sua prática letiva. Pelo contrário, o presente Programa reconhece e valoriza a autonomia dos professores e das escolas, não impondo portanto metodologias específicas.
Sem constituir ingerência no trabalho das escolas e dos professores, nota-se que a aprendizagem matemática é estruturada em patamares de crescente complexidade, pelo que na prática letiva deverá ter-se em atenção a progressão dos alunos, sendo muito importante proceder-se a revisões frequentes de passos anteriores com vista à sua consolidação." Segue-se a orientação para que não se use a calculadora.
Registe-se de novo a enorme preocupação com a liberdade metodológica dos professores e um texto que ... não diz nada, ou seja, um bom exemplo do que o Ministro Crato designava por eduquês.
O que continuo com uma enorme dificuldade em entender é como é que esta retórica sobre "liberdade metodológica", "características das turmas e dos alunos", "autonomia dos professores e das escolas, "revisões frequentes", etc., se torna compatível com um definição de metas curriculares que para Português e Matemática no 1º ciclo correspondem a 177 objectivos e 703 descritores que estabelecem o que os alunos deverão imprescindivelmente revelar, “exigindo da parte do professor o ensino formal de cada um dos desempenhos referidos nos descritores”. Acontece ainda que, de uma forma geral e decorrente da agregação de escolas os professores trabalharão com turmas lotadas, 24 alunos.
O ensino tenderá a transformar-se na gestão de uma espécie de "check list" das metas estabelecidas implicando a impossibilidade de acomodar as diferenças, óbvias, entre os alunos, os seus ritmos de aprendizagem o que culminará, antecipa-se, com a realização de exames todos os anos. Por outro lado, como também já escrevi, a lógica de elaboração das metas curriculares remete para uma lógica de ano de escolaridade e não de ciclo como prevê a Lei de Bases, ou seja, os objectivos são definidos para o ciclo e não para o ano, aliás, os exames, tão caros ao MEC, acontecem exactamente no final de ciclo.
Apesar do MEC acenar com a referência aos modelos anglo-saxónicos como selo de qualidade, o que está longe de acontecer, devo confessar que estou apreensivo tal como os autores do Programa de Matemática que estava em vigor, a Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação Matemática e a Associação Nacional dos Professores de Matemática que hoje volta a manifestar a sua fortíssima crítica ao novo programa de Matemática, alertando para o risco de retrocesso nos resultados positivos que os últimos dados dos estudos comparativos internacionais demonstraram utilizando um programa que estava agora a terminar a sua fase de generalização e era de 2007.
Também a Sociedade Portuguesa de Matemática, afirmou na altura que só se justificaria a revogação do programa de Matemática se "nesta altura, se tiver sido detectada alguma impossibilidade legal de aplicar as metas curriculares no próximo ano lectivo”, o que não parece verificar-se produzindo-se assim uma desnecessária turbulência. No entanto, no seu parecer esta entidade a que Nuno Crato já presidiu entende que a utilização do novo Programa “será decisiva para que se atinja um patamar de exigência mais elevado, cujas consequências benéficas serão, a prazo, sentidas pelos níveis de ensino secundário e superior, e pela sociedade portuguesa em geral” numa evolução interessante de apreciação.
Muito provavelmente e como é habitual serão acolhidas minudências retiradas da discussão pública que mascarem a infalibilidade e a arrogante genialidade do MEC que escondem a ignorância e uma agenda ideológica, que embrulhadas em palavras como rigor, exigência continuam a sua trajectória, vão correndo com os professores e irão correndo com os alunos para as fábricas logo de bem cedo. Restará o pequeno grupo que constituirá a elite e assim se cumprirá a visão de escola desta gente.

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