O calendário das consciências assinala hoje o Dia
Mundial contra o Trabalho Infantil. A Organização Internacional do Trabalho
estima que, dados de 2008, mais de 10,5 milhões de crianças, entre os cinco e
os 17 anos, estariam envolvidas em trabalho doméstico, ou não, ou a executar
tarefas consideradas perigosas sendo que a maioria das situações envolve raparigas.
Algumas notas.
Recordo que em 2012 o Comissário Europeu dos
Direitos Humanos em visita a Portugal alertou para que a crise financeira, o
aumento do desemprego e a diminuição das fontes de rendimento das famílias
devido às medidas de austeridade, parecem estar a levar as famílias a fazer novamente
uso do trabalho infantil, nomeadamente no sector informal e na agricultura. O
Comissário referiu mesmo casos de emigração com recurso ao trabalho infantil.
Já há algum tempo especialistas nesta área
expressaram também a preocupação com o risco de aumento do trabalho infantil como
consequência das dificuldades das famílias.
Apesar de nos últimos anos ter baixado
significativamente o número de casos reportados pela Autoridade para as
Condições do Trabalho importa estar atento ao desenvolvimento e a este risco.
No âmbito do universo a que poderemos chamar de
trabalho infantil encontra-se alguma ambiguidade que leva a que algumas
situações possam passar despercebidas e muitas outras existirão numa zona de
fronteira, de difícil avaliação, sobretudo na área do que poderemos chamar de
“ajuda familiar”. No entanto, no actual quadro social e económico, com as
famílias atingidas pela redução severa nos seus rendimentos importa, de facto,
estar atento, à pressão que possa recair sobre os mais novos. Em algumas
circunstâncias o envolvimento de adolescentes em situações de trabalho deve ser
entendida considerando variáveis de natureza contextual e pessoal,
independentemente da necessidade de combater a situação. Estou a lembrar-se da
colaboração de adolescentes em tarefas realizadas em contextos familiares, fora
dos horários escolares e que, apesar da polémica desta afirmação, pode ser um
bom contributo para a sua formação, embora, na verdade, estejam a desenvolver
uma actividade com contornos laborais. Quando era miúdo e , trabalhei muitas
horas com a minha avó e o meu pai na quinta sem sentir que estava a ser objecto
de trabalho infantil e hoje acho que parte daquilo de que aprendi a gostar e a
ser na vida tem alguma ligação com aquele "trabalho" a que me
dedicava em férias, fins-de-semana e nos fins de tarde dos dias compridos de
Primavera e Verão.
No entanto, sabemos da existência de situações de
exploração dos miúdos que ocorrem simultaneamente ao abandono escolar. Este
tipo de situações é mais frequente na adolescência e para além de eventuais
dificuldades na economia familiar, prende-se, por um lado, com uma relação com
a escola mal sucedida e com a incapacidade de perceber a escola como fazendo
parte do projecto de vida. Por outro lado, remete para um sistema de valores
que leva a que alguns adolescentes, ao terem oportunidade, entrem no mercado de
trabalho para que rapidamente possam aceder a alguns bens que o orçamento
familiar proíbe. Quando se inquirem adolescentes sobre os motivos que os levam
a abandonar a escola e a entrar clandestinamente no mercado de trabalho,
ouve-se com alguma frequência a vontade de ter dinheiro para comprar os bens
que entendem como desejáveis.
Neste quadro, a questão central, para além do
controlo sobre o mercado de trabalho, é a qualidade e a diversificação dos
processos educativos. Em Portugal, o abaixamento significativo, ainda que
continue alto, do abandono escolar foi conseguido através do alargamento
fortíssimo da oferta de formação de natureza profissional, corrigindo um modelo
de escola, de via única e de longo termo para obter formação para o mercado de
trabalho.
Quanto maior for a qualidade e a diversidade da
formação escolar, menor será a tentação do abandono precoce e a entrada no
mercado de trabalho de forma clandestina e sob o enorme risco da exploração e
do abuso.
Sem comentários:
Enviar um comentário