quarta-feira, 12 de junho de 2013

OS TRABALHOS DOS MIÚDOS

O calendário das consciências assinala hoje o Dia Mundial contra o Trabalho Infantil. A Organização Internacional do Trabalho estima que, dados de 2008, mais de 10,5 milhões de crianças, entre os cinco e os 17 anos, estariam envolvidas em trabalho doméstico, ou não, ou a executar tarefas consideradas perigosas sendo que a maioria das situações envolve raparigas. Algumas notas.
Recordo que em 2012 o Comissário Europeu dos Direitos Humanos em visita a Portugal alertou para que a crise financeira, o aumento do desemprego e a diminuição das fontes de rendimento das famílias devido às medidas de austeridade, parecem estar a levar as famílias a fazer novamente uso do trabalho infantil, nomeadamente no sector informal e na agricultura. O Comissário referiu mesmo casos de emigração com recurso ao trabalho infantil.
Já há algum tempo especialistas nesta área expressaram também a preocupação com o risco de aumento do trabalho infantil como consequência das dificuldades das famílias.
Apesar de nos últimos anos ter baixado significativamente o número de casos reportados pela Autoridade para as Condições do Trabalho importa estar atento ao desenvolvimento e a este risco.
No âmbito do universo a que poderemos chamar de trabalho infantil encontra-se alguma ambiguidade que leva a que algumas situações possam passar despercebidas e muitas outras existirão numa zona de fronteira, de difícil avaliação, sobretudo na área do que poderemos chamar de “ajuda familiar”. No entanto, no actual quadro social e económico, com as famílias atingidas pela redução severa nos seus rendimentos importa, de facto, estar atento, à pressão que possa recair sobre os mais novos. Em algumas circunstâncias o envolvimento de adolescentes em situações de trabalho deve ser entendida considerando variáveis de natureza contextual e pessoal, independentemente da necessidade de combater a situação. Estou a lembrar-se da colaboração de adolescentes em tarefas realizadas em contextos familiares, fora dos horários escolares e que, apesar da polémica desta afirmação, pode ser um bom contributo para a sua formação, embora, na verdade, estejam a desenvolver uma actividade com contornos laborais. Quando era miúdo e , trabalhei muitas horas com a minha avó e o meu pai na quinta sem sentir que estava a ser objecto de trabalho infantil e hoje acho que parte daquilo de que aprendi a gostar e a ser na vida tem alguma ligação com aquele "trabalho" a que me dedicava em férias, fins-de-semana e nos fins de tarde dos dias compridos de Primavera e Verão.
No entanto, sabemos da existência de situações de exploração dos miúdos que ocorrem simultaneamente ao abandono escolar. Este tipo de situações é mais frequente na adolescência e para além de eventuais dificuldades na economia familiar, prende-se, por um lado, com uma relação com a escola mal sucedida e com a incapacidade de perceber a escola como fazendo parte do projecto de vida. Por outro lado, remete para um sistema de valores que leva a que alguns adolescentes, ao terem oportunidade, entrem no mercado de trabalho para que rapidamente possam aceder a alguns bens que o orçamento familiar proíbe. Quando se inquirem adolescentes sobre os motivos que os levam a abandonar a escola e a entrar clandestinamente no mercado de trabalho, ouve-se com alguma frequência a vontade de ter dinheiro para comprar os bens que entendem como desejáveis.
Neste quadro, a questão central, para além do controlo sobre o mercado de trabalho, é a qualidade e a diversificação dos processos educativos. Em Portugal, o abaixamento significativo, ainda que continue alto, do abandono escolar foi conseguido através do alargamento fortíssimo da oferta de formação de natureza profissional, corrigindo um modelo de escola, de via única e de longo termo para obter formação para o mercado de trabalho.
Quanto maior for a qualidade e a diversidade da formação escolar, menor será a tentação do abandono precoce e a entrada no mercado de trabalho de forma clandestina e sob o enorme risco da exploração e do abuso.

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