quinta-feira, 20 de junho de 2013

A DESPUDORADA DANÇA DAS CADEIRAS EM MODO TROCA-TINTAS

O Tribunal da Relação de Lisboa manteve a decisão do Tribunal Cível de Lisboa rejeitando a candidatura de Fernando Seara à Câmara de Lisboa, tal como aconteceu no Porto com a candidatura de Luís Filipe Menezes.
Como é evidente, todos estes processos estão longe do fim, existem os recursos e muito provavelmente será o Tribunal Constitucional a decidir.
No entanto, quero acreditar que estes sinais nos deixassem pensar que algo pode mesmo mudar para melhor na qualidade da nossa vida cívica e na saúde da nossa democracia. Nas mais das vezes o entusiasmo esfuma-se depressa pois a partidocracia tem vindo a arquitectar um sistema altamente resistente à mudança e protector dos seus interesses.
As decisões impeditivas das candidaturas radicando na legislação parecem-me, talvez por não ser jurista, as mais óbvias das decisões e um indicador importante para os preparativos em curso na dança das cadeiras e que produzem o deprimente espectáculo a que vamos assistindo na tentativa de promover e dar cobertura às migrações de "dinossauros" autarcas que assim se eternizam ao serviço da partidocracia.
A lei de limitação de mandatos parece clara na sua intenção e formulação mas, como sempre, se não serve os interesses partidários de ocasião, torce-se a lei, é simples, e ela passa a dizer o que nós queremos que ela diga. Até tivemos um episódio, de uma mestria insuperável, a "descoberta" feita em Belém de que se trocaram os "da" pelos "de" entre a lei aprovada na AR e a publicada no DR e, claro, avoluma-se o alarido.
Não sou jurista nem constitucionalista, mas como cidadão parecem-me razoavelmente claras duas ideias, a saber, em primeiro lugar é saudável e desejável do ponto de vista, político, democrático e ético que se limitem os mandatos de cargos políticos exercidos pelo mesmo cidadão, ponto. Em segundo lugar, a Constituição estabelece o mesmo entendimento político no artigo 118º, "Princípio da Renovação" afirmando, "Ninguém pode exercer a título vitalício qualquer cargo político de âmbito nacional, regional ou local", ponto.
Parece-me, pois, claro, que qualquer lei que cumpra a Constituição, como não pode deixar de ser, não pode aceitar e admitir que um cidadão, desde que vá saltando de município em município, possa ocupar a função de presidente de câmara, por exemplo, a título vitalício.
É este entendimento manhoso, inconstitucional, que a maioria dos partidos representados na Assembleia da República assume na defesa dos seus interesses locais onde impera amiguismo, aparelhismo e pagamento de favores e natureza variada. No entanto, deve sublinhar-se que mesmo dentro dos partidos que enquanto tal "torcem" a lei, interpretando-a no restrito sentido dos seus interesses, existe muita gente que sustenta o óbvio, autarcas com três mandatos cumpridos não podem candidatar-se.
No entanto, em termos de saúde ética da nossa vida cívica, o preço deste pântano é altíssimo. O despudor e a partidocracia capturaram e debilitaram a qualidade da democracia, a confiança e o envolvimento cívico dos cidadãos.
Este é, também, uma dimensão enorme da crise, das crises. Esperemos que estas decisões dos Tribunais de Lisboa e do Porto sejam mesmo um sinal de que algo pode mudar. Mesmo os tribunais que têm expressado entendimento diferente, não tem sido no sentido de aceitar este tipo de candidaturas mas pronunciam-se, sobretudo, sobre a sua competência para decidir nesta matéria ou sobre razões processuais, pelo que também por aqui não é uma situação fechada.
Como diz o Velho Marrafa lá no Meu Alentejo, "Deixe lá ver". Até porque ainda falta esgotar os recursos, é claro. 

Sem comentários: