Um Relatório da OCDE dá-nos alguma informação
interessante sobre o nosso sistema de justiça. Em Portugal, um processo demora
425 dias, em média, a ser resolvido nos tribunais de primeira instância, o
segundo mais moroso antes da Itália.
Neste âmbito, morosidade da justiça, tem
acontecido com alguma frequência a aplicação por parte do Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem de multas a Portugal por atraso excessivo na decisão de um
processo judicial.
A própria Ministra da Justiça afirmou há meses
que em Portugal "ainda existe uma justiça para ricos e uma justiça para
pobres". Esta afirmação apenas surpreende por vir da ... responsável pela
justiça em Portugal o que não quer, evidentemente, significar da responsável
pelo estado a que a justiça em Portugal chegou.
Muitas vezes tenho referido no Atenta Inquietude
que uma das dimensões fundamentais para uma cidadania de qualidade é a
confiança no sistema de justiça. É imprescindível que cada um de nós sinta
confiança na administração equitativa, justa e célere da justiça. Assim sendo,
a forma como é percebida a justiça em Portugal, forte com os fracos, fraca com
os fortes, lenta, mergulhada em conflitualidade com origem nos interesses
corporativos e nos equilíbrios da partidocracia vigente constitui uma das
maiores fragilidades da nossa vida colectiva.
Entre 2008 e 2010, 5341 arguidos não foram
condenados por prescrição dos crimes de que estavam acusados sendo que em 2009
a prescrição evitou a condenação de 1489 arguidos já condenados em primeira
instância.
Não se estranha, são recorrentes a demora, a
manha nos processos judiciais com a utilização de legislação complexa, ineficaz
e cirurgicamente construída para ser manhosamente usada por quem a construiu
que, com base em expedientes dilatórios, promove a injustiça, ou seja, é uma
justiça manifestamente marcada pelas desigualdades de tratamento como a
Ministra referiu, etc. Quase todos os dias temos exemplos sobre este universo
que, lamentavelmente, já não nos surpreendem, não nos sobressaltam. Quando
muito, dedicamos-lhe um encolher de ombros a suportar um pensamento
telegráfico, "mais um". Veja-se o que tem sido o trajecto de alguns
processos mais mediatizados.
Parece-me ainda de relembrar um relatório de
2011, creio que também da Comissão Europeia para a Eficácia da Justiça no
âmbito do Conselho da Europa, que, para além de referir a morosidade, revelava
que, curiosamente, somos um dos países com um rácio maior de profissionais de
justiça por 100 000 habitantes, 294.9, (envolve juízes, advogados, procuradores
e notários). É notável, este facto transmite a ideia que esta gente toda se
atropela, engarrafando processos e procedimentos.
Aliás, ainda segundo o Relatório da OCDE Portugal
é o país que em termos percentuais mais gasta em salários, 81.2%, no âmbito da
justiça.
É verdade que foram recentemente introduzidas
alterações no Código Penal e no Código de Processo Penal que, não sendo um
especialista, não consigo avaliar do seu eventual impacto no cenário actual. No
entanto, continuo a entender que não existe uma determinação sólida e
consensual de alteração da teia de ineficiência que é a nossa justiça apesar da
retórica das afirmações. Sofrem os cidadãos individualmente e sofre a qualidade
da vida cívica de um país que percebe o seu sistema de justiça como forte com
os fracos, fraco com os fortes, moroso, ineficaz e, definitivamente injusto. É
mau, muito mau.
Apesar de sucessivos discursos sobre o que se tem
passado ao longo de décadas no sistema de justiça português, a situação
existente fez bater no fundo os níveis de confiança e credibilidade.
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