Ao que se lê na imprensa, o
Governo solicitou à Polícia Judiciária que investigasse milhares de situações de baixas médicas cuja
prescrição não terá obedecido às normas estabelecidas. Entre os
procedimentos detectados refere-se a não indicação da unidade de saúde
responsável ou a falta do código da cédula profissional dos clínicos que "atestam".
Estão sob investigação os 500 maiores prescritores de baixas e os mil maiores
beneficiadores de tal processo.
Parece ainda curioso o volume de
atestados subscritos por alguns médicos sendo que está identificada uma situação
em que um clínico assinou a módica quantia de 2855 atestados em 2012, uma média
de quase oito por dia. Isto é produtividade.
O Bastonário da Ordem dos Médicos
estranha a situação encontrada e a aceitação de baixas sem que cumpram as
normas. Acresce que já o Relatório da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde de
2011, referia "fortes indícios" de que nos serviços de saúde,
públicos ou convencionados, fossem elaborados atestados médicos "sem evidência de acto/contacto clínico,
omissão que pode, eventualmente, sugerir a emissão de atestados de
complacência”.
Com alguma regularidade surgem na imprensa
referências a esta prática, tão nossa, tão familiar, o recurso ao
"atestadozinho" que certifique incapacidade temporária para
trabalhar.
Creio que todos temos uma percepção clara de que
a utilização da baixa é apenas mais um dos muitos "esquemas" em que
vivemos mergulhados. A baixa permite o biscate que compõe orçamentos
familiares, liberta uns diazinhos de descanso, etc., e, é bom que se diga,
trata-se de um fenómeno que atravessa várias estratos sociais.
Há alguns meses noticiava-se a existências de
milhares de casos de baixa médica que não resistiram a uma acção de
fiscalização, trata-se da cultura instalada e da relação ética com o trabalho,
trata-se do "porreirismo" e, finalmente, da impunidade e bonomia
laxista com que tudo isto é encarado.
Por outro lado, apesar da dificuldade dos
clínicos na avaliação de sintomas eventualmente impeditivos de trabalho, também
todos conhecemos casos, muitos casos, de baixa consciência deontológica, para
ser simpático, de médicos que de forma leviana assinam baixas médicas com a
maior das facilidades. Em muitos locais se conhecem uns "doutores" a
quem recorrer para arranjar um "atestadozinho".
Recordo que no final de 2011 a Ordem dos Médicos
anunciou a intenção de apresentar uma proposta ao Ministério da Saúde no
sentido de dispensar a exigência de atestado médico impeditivo de trabalho em
algumas circunstâncias clínicas, como casos de gripe ou enxaquecas. A proposta
radicava, de forma sintética em duas ordens de razões, a sobrecarga dos
serviços com estes pedidos e a dificuldade que em alguns quadros clínicos o próprio
médico terá em atestar a impossibilidade de trabalho. Assim, a proposta da
Ordem remete para responsabilidade do cidadão ou seja, para sua consciência
ética e deontológica, bem como dos próprios clínicos. É aqui que, do meu ponto
de vista reside a questão.
Eu ainda gostava de viver num tempo em que
a proposta da Ordem dos Médicos no sentido do cidadão avaliar as suas próprias
condições para trabalhar, fosse a regra e aceite sem desconfiança. No entanto,
como sempre afirmo, a realidade não é a projecção dos meus desejos.
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