Com a mudança já de há algum tempo da estratégia
de informação do governo em matéria de greves não o habitual campeonato de
audiências em torno os números de adesão à greve para hoje agendada. O Governo,
desde há uns tempos, numa jogada política óbvia, retirou-se do jogo, deixando a
bola com o adversário. Deve sublinhar-se a forma pouco aceitável do ponto de
vista democrático escolhida para "não ir a jogo", pura e simplesmente
proibiu serviços e empresas sobre tutela do estado de fornecerem elementos
sobre níveis de adesão. Como exemplo de prática democrática, transparente e
respeitadora do direito à informação é, no mínimo, discutível.
No entanto, como é habitual, as estruturas
representantes do poder político virão muito provavelmente afirmar que se registou
um bom resultado pois a iniciativa não teve a adesão referida e ou esperada,
não teve impacto significativo na vida das comunidades, que fica evidente a
aceitação ou, pelo menos, a compreensão das políticas
seguidas e a bondade dos seus pontos de vista, etc.
Por outro lado, as estruturas representativas dos
trabalhadores informam-nos que a adesão correspondeu às expectativas, que os
trabalhadores mostraram o seu descontentamento, que o movimento sindical obteve
mais uma retumbante vitória, etc.
A questão é que esta discrepância, do meu ponto
de vista, acaba por desvalorizar os efeitos da própria greve pois, como é
sabido, muitos estudos têm vindo a demonstrá-lo, os níveis de cultura política,
participação cívica, precariedade laboral, custos económicos do dia de greve,
etc., levam a que uma percentagem muito significativa de pessoas embora estando
de acordo com a razão dos protestos não adiram à realização da greve. Desta
questão decorre o facto de se defender que as manifestações podem um
instrumentos mais potentes de protesto por, provavelmente, terem mais
capacidade de mobilização como as últimas experiências demonstram.
Do meu ponto de vista, mais do que uma
contabilidade da adesão que nunca será objectiva, importa atentar na existência
de razões fortes para o protesto e descontentamento que estejam para lá das
diferentes agendas partidárias e da conflitualidade de interesses neste
cenário, a luta dentro da partidocracia.
Temos perto de 3 milhões de portugueses em risco
de pobreza, a União Europeia reconhece que as medidas de austeridade que têm
vindo a ser promovidas conduzem a um aumento da disparidade entre os mais ricos
e os mais pobres, temos um milhão e meio de desempregados de desempregados,
sendo que a taxa é de 42.5% entre os mais jovens.
Sabemos que os cortes nos recursos afectados aos
apoios sociais são manifestamente insuficientes para minimizar de forma
significativa as dificuldades de muitas pessoas o que faz aumentar
exponencialmente os pedidos de ajuda junto das instituições de solidariedade
social que, por sua vez, também não têm recursos para responder.
Neste quadro, ainda assim reduzido nas questões
referidas, releva a existência clara de um descontentamento geral, de um
conjunto de enormes dificuldades que é também geral, isto é que me parece a
substância, embora possamos discutir se a greve é geral, quase geral ou só um
bocado geral.
Como é óbvio, quem decide, não o pode fazer, como
se costuma dizer no jargão político, com base na rua. Mas manda o bom senso que
também não se pode esquecer a rua e que a rua não é apenas os que lá
estão.
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