Depois de com alguma surpresa o Parlamento aprovar
a proposta do PS no sentido de possibilitar em algumas situações a co-adopção de
crianças por casais de homossexuais o que apesar de não permitir a adopção sem
restrições não deixa de mostrar alguma mudança no quadro parlamentar e que se
regista, a discussão, natural, tem continuado com sucessivas posições públicas
como a do Arcebispo de Braga ou o Bastonário dos Advogados. Hoje, o Público
divulga um trabalho muito interessante mostrando decisões de Tribunais portugueses
que resultaram na colocação de crianças
em famílias homossexuais com aparente melhoria do bem-estar das crianças. Dado
que a questão continua em aberto, dificilmente matérias fortemente contaminadas
pelos valores se encerram independentemente dos quadros normativos que se vão
construindo, aliás, desenvolvem-se públicos esforços no sentido de chumbar a proposta
entretanto aprovada quando voltar ao plenário da AR, justifica-se retomar
algumas notas.
Na verdade, para além dos discursos anónimos ou
identificados, mais ou menos equilibrados, mais ou menos boçais, mais ou menos
ignorantes, mais ou menos sofisticados e assentes, aparentemente, em ciência
ficarão sempre os valores e a forma como se olha o mundo.
Se estão recordados, há poucos dias a Ordem dos
Advogados divulgou um parecer contra fundamentando na ideia de "família
natural" o que faz pressupor para a Ordem dos Advogados que numa situação
em que uma mãe jovem fique viúva e decida viver com a sua mãe, ficando assim a
sua filha ou filho a viver com duas mulheres, teremos uma família "não
natural" que, eventualmente, colocará a criança em risco. É fraco o
argumento que aliás motivou uma tomada de posição de alguns advogados pouco
confortáveis com a pobreza da argumentação e posição da Ordem. Um artigo do
Bastonário posteriormente divulgado no JN é uma peça antológica do preconceito
e da desinformação.
Há alguns meses, foi referenciado por alguma
imprensa em Portugal uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que
entendeu que a Áustria violou a Convenção Europeia dos Direitos do Homem por
não ter permitido a adopção co-parental a um casal homossexual. Na sua decisão,
o Tribunal citou Portugal como um dos países com o mesmo entendimento que a
Áustria.
Parece-me de referir que o Tribunal Europeu
considerou que o Governo austríaco não apresentou provas sólidas de que seria
“prejudicial para uma criança ser adoptada por um casal homossexual ou ter
legalmente duas mães ou dois pais”.
Vale a pena retomar o argumentário contra a
adopção e que se organiza em torno de três grandes ideias, e que são a eventual
dificuldade da criança em lidar com a sua orientação sexual, a vulnerabilidade
psicológica e o risco de problemas de comportamento e também o risco acrescido
de serem alvo de discriminação, por exemplo, em contextos escolares.
Como foi afirmado há algum tempo numa conferência
realizada em Lisboa sobre a homoparentalidade, uma revisão de algumas dezenas
de estudos sobre este conjunto de razões realizada pela Associação Americana de
Psicologia, motivou uma resolução da Associação, em 2004, que não confirma
nenhuma destas preocupações o que também transpareceu em alguns testemunhos
expressos num trabalho que o Público realizou na altura. Parece ainda de
registar que em 2010, a Associação Americana de Psiquiatria afirmava
"apoiar as iniciativas que permitam a casais do mesmo sexo adoptar e
co-educar crianças".
Neste sentido, podemos também lembrar que a
maioria das pessoas homossexuais terão sido educadas em famílias
heterossexuais, que existem muitas crianças com sérios problemas emocionais e
vulnerabilidade psicológica, a experimentarem condições de mal-estar devastador
integrando situações familiares heterossexuais ou, finalmente, que existem
múltiplos casos de crianças discriminadas por variadas razões em contexto
escolar o que não nos faz retirar, por princípio, as crianças da escola mas,
pelo contrário, combater a discriminação sejam quais forem as circunstâncias.
Do meu ponto de vista e de uma forma
propositadamente simples, a questão central é que o que faz com toda a certeza
mal às crianças, é serem maltratadas e os maus tratos não decorrem do tipo de
famílias, mas da competência humana e educativa, por assim dizer, de quem delas
cuida, pais, mães ou educadores. Quando as crianças são bem tratadas e crescem
com adultos que gostam delas, as protegem e as ajudam a crescer, elas encontram
caminhos para lidar com dois pais ou com duas mães.
Insisto, o que as crianças quase sempre não
sabem como resolver é quando têm por perto adultos, heterossexuais ou
homossexuais, que não gostam delas, que as maltratam, negligenciam, abandonam,
etc. Isso é que faz mal às crianças.
O resto é uma discussão não conclusiva, assente
em valores de que não discuto a legitimidade, mas que não podem ser confundidos
com um discurso de defesa das crianças de males que estão por provar.
Parece bem mais importante defendê-las dos males
comprovados e que todos os dias desfilam aos nossos olhos.
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