A ver se compreendo.
Seis pessoas com problemas de saúde deveriam receber um tratamento
no Hospital de Santa Maria envolvendo um determinado produto.
Em consequência do tratamento ficaram cegos, parcial ou
totalmente. As investigações, ao que parece, não conseguiram determinar com
exactidão qual o produto com que foram injectados ou se se verificou qualquer
contaminação.
Dois técnicos do sector de preparação dos fármacos foram
acusados por negligência e vão a julgamento.
Ao tempo dos acontecimentos, o serviço não tinha manual de procedimentos, foi amanhado um
após a tragédia para mostrar se viesse alguma inspeccção, não se verificando
também supervisão ou fiscalização de práticas. Mais, até à altura do grave episódio não
existiam normas de rotulagem dos fármacos preparados no serviço e após os factos
o número de técnicos passou de cinco para mais de trinta.
Neste cenário, a responsável do serviço entrou no processo
como … testemunha de acusação, negando qualquer responsabilidade pelos factos.
Em tribunal não se consegue estabelecer nexo de causalidade ou
explicação sólida para o sucedido e os dois técnicos são absolvidos apesar da “acusação”
da responsável do serviço.
Entretanto, as pessoas lesadas, através de um outro processo
judicial, acederam a indemnizações financeiras de montante variável conforme a
gravidade da situação.
Em síntese, os dois técnicos são absolvidos, terão realizado
o trabalho nos termos em que ele estava (mal) organizado, a investigação não
consegue determinar com exactidão o que foi administrado às pessoas, a
responsável por um serviço caótico e sem regras é acusadora e não expressa um
sobressalto de responsabilidade pelo que aconteceu.
Temos assim que, na verdade, os verdadeiros culpados foram
as pessoas que de forma inaceitavelmente negligente se deixaram adoecer de tal maneira que
precisariam dos cuidados daquele serviço. Tal comportamento é, de facto, de uma
enorme negligência.
Tudo isto parece ser uma situação estranha mas não, é apenas
mais um episódio edificante da vida no Portugal dos pequeninos.
Esta recorrente situação de acidentes sem responsáveis
sempre me recorda uma história que se conta no mundo da construção civil. Lembra-me
uma velha história do mundo da construção civil.
No dia da inauguração uma ponte desaba. Com o
objectivo de averiguar a causa da queda, abre-se o habitual inquérito inquirindo
todos os potenciais envolvidos. O arquitecto não assumiu problemas com o
projecto, o engenheiro garantiu a construção e os operários o seu trabalho.
Ouviram-se então os materiais, com o betão estava tudo bem. Quando interrogaram
o ferro, ouviram uma resposta estranha, “Não sei porque é que a ponte caiu, eu
nem estava lá”.
Naquele dia 17 de Julho de 2009, em Santa
Maria, apenas estavam seis pessoas que sem saber como nem porquê ficaram cegas
ou parcialmente cegas. Nada nem ninguém mais lá estava.
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