Estamos neste fase de expectativa sobre o que amanhã
acontecerá relativamente à anunciada greve aos exames, pelo que deixo umas notas, necessariamente breves,
a propósito da manifestação dos professores ontem acontecida. Não me refiro à
contabilidade e respectivas interpretações, como sempre, para uns o copo estará
meio cheio, para outros o copo meio vazio.
A minha breve reflexão dirige-se para algo que
verdadeiramente me impressionou embora conhecesse, os testemunhos deixados por
professores, não estou a falar dos discursos previsíveis dos dirigentes
sindicais, sobre o clima que se tem vivido e vive nas escolas. Talvez o possa
sintetizar em duas palavras referidas sem ordem de importância, desesperança e
indignação que resumem o ano agora a terminar e que tomaram conta das escolas
nas palavras faladas, choradas, por muitos professores, estou a falar de Professores,
não de "técnicos de educação" que sentem a dignidade atropelada.
Apesar das ignorantes e demagógicas apreciações
por parte de opinadores que ou por isso mesmo, ignorância e demagogia, ou por
agendas implícitas, o ano lectivo por questões decorrentes da PEC - Política
Educativa em Curso criou um ambiente extraordinariamente pesado e pouco
amigável para o bom trabalho de direcções, professores, funcionários, alunos e
pais.
O arranque do ano lectivo e o inenarrável e
arrastado processo de colocação de professores, com a definição dos
descartáveis "horários zero", as incompetências, as injustiças conhecidas
constituiu um prenúncio do que seria o ano lectivo.
O constante discurso ameaçador da dispensa dos
docentes alicerçada numa demagógica utilização dos números da demografia na
qual até Marques Mendes veio colaborar, insultando a nossa inteligência,
conhecimento e dimensão ética, instalou um clima de apreensão e insegurança
devastadores e com os resultados conhecidos em termos de concurso realizados e
dos muitos milhares de professores que ficam de fora, não porque não sejam
competentes, a maioria é, não porque não sejam necessários, muitos são, mas
porque é preciso cortar, custe o que custar. A unidade de gestão do sistema
educativo passou a ser a "hora docente" pelo que a política educativa
se transformou num exercício contabilístico.
Uma nota sobre a continuidade da instalação dos
mega-agrupamentos que com a determinação
do aumento do número de alunos por turma criou turmas quase sempre lotadas ou
mesmo sobrelotadas, professores com muitas turmas e centenas de alunos, sendo
que alguns ainda se deslocam entre as várias escolas do agrupamento ou ainda uma
reforma curricular que como preocupação central parece ter tido cortar nas
necessidades de professores. Assustador.
Num trabalho ainda altamente burocratizado em que
escasseiam apoios suficientes e competentes às dificuldades de professores e
alunos, o país educativo transformou-se todo ele num imenso TEIP - Território
Educativo em que se faz a Intervenção Possível.
O desencadear da extensão aos professores da
mobilidade especial, chamada de requalificação, o insulto quando estamos a
falar da classe profissional mais qualificada do país, a perda substantiva
verificada no estatuto salarial, a expectativa sobre o aumento da carga horária,
a deriva do MEC e os discursos de alguns responsáveis que afirmam algo e seu
contrário com o maior despudor, são outro contributo para a indignação e
desânimo que caracterizam o universo escolar destes dias de chumbo.
É verdade que também durante este ano lectivo
Nuno Crato afirmou que os professores “têm a profissão mais linda do mundo” e
ainda que ser professor “é um privilégio”, assente na possibilidade de
transmitir saber às crianças.
Em muitas escolas, muitos professores, apesar dos
imperativos ético-deontológicos, dificilmente sentirão o “privilégio” da
profissão “mais linda do mundo”, lidam com um clima pouco positivo que
compromete o seu trabalho de professores, o dos alunos, dos funcionários e dos
pais e, no limite, o direito a uma educação pública de qualidade.
Os testemunhos recolhidos a propósito da
manifestação de ontem são um retrato inquietante.
1 comentário:
De há tempo demais a esta parte, costumo dizer aos que me rodeiam que me sinto sempre em guerra na profissão, declarada por quem tutela. E quando acordo, todas as manhãs, pergunto-me sistematicamente: "Qual será a batalha hoje?"
Só dentro da sala de aula consigo esquecer um pouco este clima...
(Sou professora por desejo e vocação há 28 anos)
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