segunda-feira, 3 de junho de 2013

UMA CRIANÇA À EXPERIÊNCIA. Se família não gostar devolve-se

Existem notícias que não se podem ler sem um sobressalto pelo que retomo a questão das crianças e das famílias e dos tratos das crianças. Segundo o CM, o Tribunal da Relação de Lisboa permitiu que uma criança, que numa primeira fase do processo de adopção tinha sido rejeitada pela família adoptante, voltasse ao contacto com a mesma família procurando agora a família "tentar amar" o menino. Este tinha sido devolvido aos 3 anos e volta agora aos 8 à experiência que, naturalmente, pode voltar a não correr bem pelo que será devolvido. Não há problemas, como se sabe, a lei garante a devolução sem encargos dos bens que adquirimos e com os quais não nos sentimos satisfeitos.
Na verdade esta é uma situação extraordinária e não tão rara com se possa imaginar. Nos últimos anos registaram-se mais de 100 casos de crianças que foram devolvidas, isto é, viram o seu processo de adopção interrompido. Muitas destas situações deveram-se ao facto de as crianças "não corresponderem às expectativas" das famílias adoptantes.
Vejamos com mais atenção. Uma criança, por qualquer razão não tem uma família, está numa instituição, envolve-se num processo de adopção, entra numa família que entende passar a ser a SUA família, deve sentir-se num caminho bonito. Passado algum tempo é devolvida, provavelmente, sem perceber porquê e vive uma, certamente mais uma, experiência devastadora com efeitos que não podem deixar de ser significativos.
Como é evidente, admito que em circunstâncias excepcionais o processo possa ser interrompido mas, insisto, só mesmo numa situação limite.
A lei permite, creio que ainda não foi alterada, que durante seis meses a criança possa ser devolvida, trata-se de um período de adaptação, uma espécie de contrato à experiência. O Juiz Armando Leandro presidente da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, reconhecia há algum tempo que a devolução não tem de ser baseada em "critérios necessariamente válidos". Relembro um trabalho do DN sobre a mesma matéria que citava um caso em que uma criança foi devolvida e trocada por outra porque não se adaptava ao cão da família. Outros casos de devolução envolvem dificuldades de adaptação a outros elementos da família ou a questões económicas.
Como é de prever, os serviços procuram na fase pré-adopção prevenir situações deste tipo, embora eles continuem a ocorrer.
Voltando ao tão apregoado "supremo interesse a criança", é difícil imaginar o que se passará na cabeça de um miúdo que passa anos a construir uma ideia de família, a certa altura entra numa família a que chama sua e de repente dizem-lhe que volta a estar só, na instituição, porque ... não se dá bem com o cão ou não corresponde às expectativas ou, como no caso hoje relatado, já a querem outra vez. Que sentirá a criança?
Porquê? Não presta? Não a querem? Querem? ...

3 comentários:

não sei quem sou... disse...

Eu e minha esposa somos pais biológicos de uma criança de 3 anos de idade. Tinhamos a expectativa que nosso filho fosse loiro de olhos azuis e de bom feitio. Saiu moreno, cabelo preto, olhos castanhos e muito irrequieto. Nestes 3 anos de vida da criança não conseguimos lidar com a frustação.

Por isso aceita-se ofertas de adopção para quem goste de crianças com estas caracteristicas.

A diferença entre esta situação e a permissividade da actual lei de adopção não é muito grande.

Chamar desumanos aos legisladores da lei de adopção é um EUFEMISMO!


VIVA!

Anónimo disse...

Com a adopção por casais homossexuais já não irão ocorrer mais devoluções.

Cumprimentos
António Caroço

L. K. disse...

No meu dia a dia profissional tenho-me deparado com vários "pais" que me pedem ajuda para "mandar" os filhos para colégios,e que são os próprios a sinalizá-los na CPCJ porque já "não fazem nada deles" - sempre me recusei a "mexer um dedo" nesse sentido - somos pessoas, e (ainda) não somos descartáveis. Isto para referir que se quando os parem querem devolução, quando os "escolhem" num acto de altruísmo egocêntrico e narcisista, mais fácil será recorrer ao "fácil".

Antes da "crise" já os queriam "empandeirar", descartar-se de responsabilidades e consequências, algumas decorrentes da total falta de contenção e segurança, que lhes deviam providenciar mas que trocaram pelo maravilhoso conceito de "amigos", até lhe perderem o controle.

E os filhos não podem "devolver" os pais?
Também me tenho cruzado com uns quantos que não correspondem às expectativas dos filhos...o que é que se faz nestes casos?