No Público aparece um trabalho interessante sobre
as diferentes perspectivas no ensino da Matemática, designadamente no que
respeita aos princípios e conteúdos dos Programas. Na peça são apresentadas as
diferenças que, de acordo como alguns especialistas informam o programa novo e o
programa em vigor que se ilustram, por exemplo, com diferentes concepções sobre o papel da
compreensão e da memorização na aprendizagem da matemática. Não sendo especialista procuro acompanhar a
questão dada a sua óbvia relevância.
Recordo que quando foi colocado em discussão um
novo Programa de Matemática, o Ministro Nuno Crato ter sustentado a iniciativa
com a “grande liberdade metodológica aos professores”, para ensinarem de
acordo com“ a sua experiência, as suas técnicas e a sua sala de aula” face a um
programa moderno e com "objectivos mais facilmente perceptíveis".
O Ministro insistiu que "a ideia foi sempre dar esta liberdade
metodológica”, para que cada docente fique livre de definir o seu próprio
método de ensino dos diversos conceitos. Muito bem. Confesso que me pareceu,
escrevi na altura, um pouco estranha a afirmação, como se as opções didácticas
e pedagógicas de profissionais cientificamente preparados fossem determinadas pelo
Ministério, algo que até no plano ético e deontológico é discutível. Ainda
assim e à cautela, fica bem agradecer ao MEC a "liberdade" concedida
aos professores.
Voltando às metodologias, no Documento que esteve
em discussão lia-se no ponto 6, "Tendo em consideração, tal como para
os níveis de desempenho, as circunstâncias de ensino (de modo muito particular,
as características das turmas e dos alunos), as escolas e os professores devem
decidir quais as metodologias e os recursos mais adequados para auxiliar os seus
alunos a alcançar os desempenhos definidos nas Metas Curriculares.
A experiência acumulada dos professores e das
escolas é um elemento fundamental no sucesso de qualquer projeto educativo, não
se pretendendo, por isso, espartilhar e diminuir a sua liberdade pedagógica nem
condicionar a sua prática letiva. Pelo contrário, o presente Programa reconhece
e valoriza a autonomia dos professores e das escolas, não impondo portanto
metodologias específicas.
Sem constituir ingerência no trabalho das
escolas e dos professores, nota-se que a aprendizagem matemática é estruturada
em patamares de crescente complexidade, pelo que na prática letiva deverá
ter-se em atenção a progressão dos alunos, sendo muito importante proceder-se a
revisões frequentes de passos anteriores com vista à sua consolidação."
Seguia-se a orientação para que não se use a calculadora.
Registe-se de novo a enorme preocupação com a
liberdade metodológica dos professores e um texto que ... não diz nada, ou
seja, um bom exemplo do que o Ministro Crato designava por eduquês.
O que continuo com uma enorme dificuldade em
entender é como é que esta retórica sobre "liberdade metodológica",
"características das turmas e dos alunos", "autonomia dos
professores e das escolas, "revisões frequentes", etc., se torna
compatível com um definição de metas curriculares que para Português e
Matemática no 1º ciclo correspondem a 177 objectivos e 703 descritores que
estabelecem o que os alunos deverão imprescindivelmente revelar, “exigindo da
parte do professor o ensino formal de cada um dos desempenhos referidos nos
descritores”. Acontece ainda que, de uma forma geral e decorrente da agregação
de escolas os professores trabalharão com turmas lotadas, 24 alunos.
O ensino tenderá a transformar-se na gestão de
uma espécie de "check list" das metas estabelecidas implicando a
impossibilidade de acomodar as diferenças, óbvias, entre os alunos, os seus
ritmos de aprendizagem o que culminará, antecipa-se, com a realização de exames
todos os anos.
Apesar do MEC acenar com a referência aos modelos
anglo-saxónicos como selo de qualidade, o que está longe de acontecer, devo
confessar que estou apreensivo tal como os autores do Programa de Matemática
que estava em vigor, a Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação
Matemática e a Associação Nacional dos Professores de Matemática, que, tal como
é referido na peça do Público, continuam a manifestar fortíssimas reservas face
ao novo Programa, alertando para o risco de retrocesso nos resultados positivos
que os últimos dados dos estudos comparativos internacionais demonstraram
utilizando um programa que estava agora a terminar a sua fase de generalização
e era de apenas de 2007.
Também a Sociedade Portuguesa de Matemática,
afirmou no início que só se justificaria a revogação do programa de Matemática
se "nesta altura, se tiver sido detectada alguma impossibilidade legal de
aplicar as metas curriculares no próximo ano lectivo”, o que não parecia
verificar-se produzindo-se assim uma desnecessária turbulência. No entanto, no
seu parecer, esta entidade, a que Nuno Crato já presidiu, veio a entender que a
utilização do novo Programa “será decisiva para que se atinja um patamar de
exigência mais elevado, cujas consequências benéficas serão, a prazo, sentidas
pelos níveis de ensino secundário e superior, e pela sociedade portuguesa em
geral” numa evolução interessante de apreciação.
Dada a habitualmente assumida infalibilidade e a
arrogante genialidade do MEC que escondem alguma ignorância e uma agenda
ideológica, embrulhadas em palavras como rigor, exigência as mudanças, também
nesta matéria, os ventos do tempo, fazem o seu caminho construindo um modelo de educação que
produzirá exclusão, quer dos professores, por umas razões, quer de muitos
alunos que serão direccionados para o ensino dual em modo Crato e entrarão bem
cedo nas fábricas previstas na prometida “reindustrialização” do país.
Restará o pequeno grupo que constituirá a elite e
assim se cumprirá a visão de escola desta gente.
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