quarta-feira, 26 de junho de 2013

UM NOVO PROGRAMA DE MATEMÁTICA QUE, DE NOVO, PARECE TRAZER .... PROBLEMAS (take 2)

No Público aparece um trabalho interessante sobre as diferentes perspectivas no ensino da Matemática, designadamente no que respeita aos princípios e conteúdos dos Programas. Na peça são apresentadas as diferenças que, de acordo como alguns especialistas informam o programa novo e o programa em vigor que se ilustram, por exemplo, com diferentes concepções sobre o papel da compreensão e da memorização na aprendizagem da matemática. Não sendo especialista procuro acompanhar a questão dada a sua óbvia relevância.
Recordo que quando foi colocado em discussão um novo Programa de Matemática, o Ministro Nuno Crato ter sustentado a iniciativa com a “grande liberdade metodológica aos professores”, para ensinarem de acordo com“ a sua experiência, as suas técnicas e a sua sala de aula” face a um programa moderno e com "objectivos mais facilmente perceptíveis". O Ministro insistiu que "a ideia foi sempre dar esta liberdade metodológica”, para que cada docente fique livre de definir o seu próprio método de ensino dos diversos conceitos. Muito bem. Confesso que me pareceu, escrevi na altura, um pouco estranha a afirmação, como se as opções didácticas e pedagógicas de profissionais cientificamente preparados fossem determinadas pelo Ministério, algo que até no plano ético e deontológico é discutível. Ainda assim e à cautela, fica bem agradecer ao MEC a "liberdade" concedida aos professores.
Voltando às metodologias, no Documento que esteve em discussão lia-se no ponto 6, "Tendo em consideração, tal como para os níveis de desempenho, as circunstâncias de ensino (de modo muito particular, as características das turmas e dos alunos), as escolas e os professores devem decidir quais as metodologias e os recursos mais adequados para auxiliar os seus alunos a alcançar os desempenhos definidos nas Metas Curriculares.
A experiência acumulada dos professores e das escolas é um elemento fundamental no sucesso de qualquer projeto educativo, não se pretendendo, por isso, espartilhar e diminuir a sua liberdade pedagógica nem condicionar a sua prática letiva. Pelo contrário, o presente Programa reconhece e valoriza a autonomia dos professores e das escolas, não impondo portanto metodologias específicas.
Sem constituir ingerência no trabalho das escolas e dos professores, nota-se que a aprendizagem matemática é estruturada em patamares de crescente complexidade, pelo que na prática letiva deverá ter-se em atenção a progressão dos alunos, sendo muito importante proceder-se a revisões frequentes de passos anteriores com vista à sua consolidação." Seguia-se a orientação para que não se use a calculadora.
Registe-se de novo a enorme preocupação com a liberdade metodológica dos professores e um texto que ... não diz nada, ou seja, um bom exemplo do que o Ministro Crato designava por eduquês.
O que continuo com uma enorme dificuldade em entender é como é que esta retórica sobre "liberdade metodológica", "características das turmas e dos alunos", "autonomia dos professores e das escolas, "revisões frequentes", etc., se torna compatível com um definição de metas curriculares que para Português e Matemática no 1º ciclo correspondem a 177 objectivos e 703 descritores que estabelecem o que os alunos deverão imprescindivelmente revelar, “exigindo da parte do professor o ensino formal de cada um dos desempenhos referidos nos descritores”. Acontece ainda que, de uma forma geral e decorrente da agregação de escolas os professores trabalharão com turmas lotadas, 24 alunos.
O ensino tenderá a transformar-se na gestão de uma espécie de "check list" das metas estabelecidas implicando a impossibilidade de acomodar as diferenças, óbvias, entre os alunos, os seus ritmos de aprendizagem o que culminará, antecipa-se, com a realização de exames todos os anos.
Apesar do MEC acenar com a referência aos modelos anglo-saxónicos como selo de qualidade, o que está longe de acontecer, devo confessar que estou apreensivo tal como os autores do Programa de Matemática que estava em vigor, a Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação Matemática e a Associação Nacional dos Professores de Matemática, que, tal como é referido na peça do Público, continuam a manifestar fortíssimas reservas face ao novo Programa, alertando para o risco de retrocesso nos resultados positivos que os últimos dados dos estudos comparativos internacionais demonstraram utilizando um programa que estava agora a terminar a sua fase de generalização e era de apenas de 2007.
Também a Sociedade Portuguesa de Matemática, afirmou no início que só se justificaria a revogação do programa de Matemática se "nesta altura, se tiver sido detectada alguma impossibilidade legal de aplicar as metas curriculares no próximo ano lectivo”, o que não parecia verificar-se produzindo-se assim uma desnecessária turbulência. No entanto, no seu parecer, esta entidade, a que Nuno Crato já presidiu, veio a entender que a utilização do novo Programa “será decisiva para que se atinja um patamar de exigência mais elevado, cujas consequências benéficas serão, a prazo, sentidas pelos níveis de ensino secundário e superior, e pela sociedade portuguesa em geral” numa evolução interessante de apreciação.
Dada a habitualmente assumida infalibilidade e a arrogante genialidade do MEC que escondem alguma ignorância e uma agenda ideológica, embrulhadas em palavras como rigor, exigência as mudanças, também nesta matéria, os ventos do tempo, fazem o seu caminho construindo um modelo de educação que produzirá exclusão, quer dos professores, por umas razões, quer de muitos alunos que serão direccionados para o ensino dual em modo Crato e entrarão bem cedo nas fábricas previstas na prometida “reindustrialização” do país.
Restará o pequeno grupo que constituirá a elite e assim se cumprirá a visão de escola desta gente.

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