Do rescaldo da greve de ontem
parece emergir sem estranheza a tentativa de, através da contabilidade tangível,
valorizar, ou desvalorizar, consoante as perspectivas, o que aconteceu. Esta contabilidade tangível
assenta sobretudo no número de alunos que terão realizado o exame, no número de
professores que aderiram à greve ou, outro olhar, em quantas escolas se
realizaram todos os exames. Estes dados ainda podem ser referidos ou tratados de
diferentes formas para servirem as várias teses ou interesses em jogo.
Apesar de compreender estas
abordagens queria chamar a atenção para algumas questões menos imediatas.
Em primeiro lugar, os objectivos
da greve. Conforme foi largamente difundido, a greve cuja adesão me parece ter
ultrapassado a "habitual" capacidade mobilização dos sindicatos, ao
coincidir com avaliações e exames pretendia contestar medidas objectivas de
natureza profissional consideradas inaceitáveis por parte dos professores. De
entre estas medidas relevam o risco do desemprego com uma passagem em trânsito
por essa sinistra figura da "mobilidade especial", o aumento da carga
horária e questões de estatuto salarial, carreira e colocação. Como pano de fundo
era ainda referido como motivo de contestação o "ataque à escola pública"
através de medidas que obviamente, sempre o tenho afirmado, comprometem
seriamente a qualidade do trabalho dos professores e alunos e contêm de forma cada
vez mais clara uma agenda implícita que a seu tempo irá emergindo como o
Ministro Nuno Crato afirmou à Veja, ainda que tenha vindo apressadamente
corrigir o sentido das suas palavras.
Coloca-se então a questão. Face a
estes objectivos da greve é expectável que sejam alcançados ou pelo menos que
consigam levar a alterações significativas de orientações e políticas do MEC,
do Governo?
Lamento mas não acredito. O
Governo já deu mostras de uma insensata e insensível persistência num caminho
de que não abdica. As suas políticas e opções já não colhem sequer apoios
dentro dos partidos que suportam a coligação mas nada parece demover Passos
Coelho e os génios e geniozinhos que o rodeiam e a considerar inflectir o
caminho.
Um exemplo desta insensatez foi
justamente a forma como foi gerido o processo que culminou com o dia de ontem, insistindo na demagógica quanto perigosa diabolização dos professores,
boa parte dos alunos sem o exame realizado, boa parte dos que o realizaram a
fazerem-no em condições de instabilidade e agitação inaceitáveis, pais e directores
a exigir a repetição dos exames em nome da equidade bem como a solicitar o adiamento dos exames de Matemática de 6º e 9º a realizar dia 27, dia de greve geral, a necessidade de uma nova data com as implicações
logísticas óbvias e os responsáveis do MEC a produzirem declarações patéticas simulando
uma "normalidade" num processo que não poderia ter acontecido como
aconteceu e que era absolutamente previsível, como previsível é a instabilidade e incerteza instaladas em todo o processo de avaliações nas escolas e de exames nacionais ou de escola.
Neste quadro, a que conclusão
chegar, a inutilidade da greve?
Não me parece. Ficou, creio, mais
claro, que esta gente que nos governa, enquanto o fizer, não altera políticas,
valores e práticas. Vai ficando também mais claro o que Nuno Crato queria dizer quando se referia à implosão do Ministério, é uma questão de tempo.
A questão já não passa por esperar mudança de políticas com esta gente. Provavelmente o caminho terá de passar por outra gente e, obviamente, por outras políticas.
A questão já não passa por esperar mudança de políticas com esta gente. Provavelmente o caminho terá de passar por outra gente e, obviamente, por outras políticas.
O que me preocupa, mas preocupa
mesmo, são as alternativas, ou melhor, a falta delas.
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