domingo, 31 de março de 2013

O PROFESSOR DIXIT

O mediático entertainer político Marcelo Rebelo de Sousa também conhecido por "O Professor" e às vezes, de forma carinhosa e mais popular, até por "O Marcelo", afirmou no seu número televisivo de hoje, de resto como tem vindo a fazer, a urgência de uma remodelação governamental que, não podendo deixar de envolver o "Dr." Relvas, deveria preservar Vítor Gaspar, o Primeiro-ministro deve "aguentar com ele ao colo” por causa do "peso externo”, disse.
Acontece que no número de há quize dias, no dia 24/03, o Professor afirmou que o ministro das Finanças, “o bom aluno” de Bruxelas, apesar de ter conseguido melhorar a imagem externa de Portugal e a credibilidade do país junto dos mercados, acaba “chumbar o ano” porque "não estudou economia portuguesa”, acrescentando que "Parece um astrólogo, não parece um ministro das Finanças. Perdeu larguissimamente a credibilidade”.
É por isso que eu gosto muito de ouvir o Professor, apreciar a genialidade e solidez granítica da sua análise, a elasticidade da sua visão, a dimensão premonitória que faz dele um autêntico oráculo, ao pé do qual os outros 7589 politólogos, comentadores, opinadores e palpitólogos que invadiram a comunicação social não passam de aprendizes.

O TRAJECTO INDIVIDUAL DE CADA ALUNO

A Câmara de Odemira vai lançar um projecto de acompanhamento individual do trajecto educativo de cada aluno desde o início.
Parece interessante a ideia do ponto de vista de um Concelho e como forma de monitorizar resultados e processos do sistema educativo em qualquer patamar, individual, local, regional ou nacional, mas este acompanhamento é suposto acontecer em qualquer escola ou agrupamento.
Este acompanhamento de proximidade, por assim dizer, é a única forma de desencadear em tempo oportuno dispostivos de apoio a eventuais dificuldades de alunos ou professores. Será bem mais eficaz do que avaliar obsessivamente as aprendizagens através de exames sucessivos que enviesam processos pela hipervalorização de resultados.
Coloca-se no, entanto, uma questão fundamental decorrente da PEC- Política Educativa em Curso,  que é saber se as escolas e agrupamentos, de Odemira ou de qualquer outra área, terão os recursos e os modelos de organização e funcionamento, a variável número de alunos por turma e professores de apoio são apenas exemplos, para que deste acompanhamento indivual resultem, de facto, melhorias na qualidade do trabalho de alunos e professores.


DESESPERANÇA AMEAÇADORA

O JN coloca em primeira página "Desemprego é bomba pronta a explodir" referindo-se ao risco de explosão social. Por coincidência, a imprensa também relata um caso de um indivíduo que por salários em atraso disparou contra o patrão.
É difícil ficar imune às sucessivas notícias sobre os problemas que atravessamos pelo que com muita frequência aqui retomo algumas questões. Eu sei que não adianta falar muito delas porque não se resolvem assim, mas também penso que não é fácil não as abordarmos, por isso, insisto.
Os dados do desemprego continuam a voltam a subir e o Primeiro-ministro admite que assim continuem. Há semanas noticiava-se a existência de 483 000 pessoas desempregadas há mais de um ano. Esta tragédia envolve sobretudo pessoas de meia idade e muitos jovens e as referências acentuam as dificuldades e falta de confiança das pessoas na alteração na situação.
O desemprego é reconhecidamente o mais devastador efeito das dificuldades que atravessamos. Por outro lado, existem cerca de 285 000 pessoas com o RSI, número que tem vindo a baixar regularmente.
Recordo ainda que também há poucas semanas, segundo dados disponíveis do INE e da Segurança Social, cerca de 465 000 desempregados, 56 %, não tinham protecção social há nove meses. Este número, que na realidade será mais alto, é absolutamente devastador e dramático, representando o mais alto valor alguma vez atingido de pessoas em situação de desprotecção social.
O problema vai, provavelmente agravar-se, pois naquilo que alguns estão a considerar a reforma do estado se prevê o corte nas políticas sociais.
Mesmo entre pessoas com trabalho, existem cerca de 153 000 portugueses que recebem menos de 310 € de salário líquido e cada mais gente com o salário mínimo.
A este cenário acresce, ainda de acordo com o IEFP, que, no último ano, o número de casais com ambos os elementos no desemprego mais do que duplicou e o valor médio dos subsídios de desemprego tem vindo a baixar.
Há tempos foram divulgados alguns dados referindo que cerca de 200 000 pessoas já terão desistido de procurar emprego, não constando sequer dos números do desemprego. Importa ainda considera as inúmeras situações de salários em atraso.
Este quadro impressionante levanta uma terrível e angustiante questão.
Os milhares, muitos, de pessoas envolvidas vão (sobre)viver de quê?
Sendo de esperar a continuação de um período recessivo e, portanto, sem crescimento, torna-se impossível criar a riqueza necessária e redistribuí-la de forma socialmente mais justa para minimizar esta tragédia.
É certo que em Portugal a chamada economia paralela corresponde a cerca de 25% do PIB e muita gente e muitas actividades estão envolvidas neste universo, de qualquer forma o potencial impacto social destes números é, no mínimo, inquietante.
Afirmo com frequência que uma das consequências menos quantificável das dificuldades económicas, sobretudo do desemprego, em particular o de longa duração e de situações em que o tempo obriga a perder o subsídio, é o roubo da dignidade às pessoas envolvidas. Sabemos que se verifica oportunismo e fraude no acesso aos apoios sociais, mas a esmagadora maioria das pessoas sentem a sua dignidade ameaçada quando está em causa a sobrevivência a que só se acede pela “mão estendida” que envergonha, exactamente por uma questão de dignidade roubada.
A questão da pobreza é um terreno que se presta a discursos fáceis de natureza populista e ou demagógica, sem dúvida. Mas também não tenho dúvidas de que os problemas gravíssimos de pobreza que mais de dois milhões de portugueses conhecem, exigem uma recentração de prioridades e políticas que não se vislumbra. Na verdade, apesar da retórica oficial de que existe justiça social nas medidas de austeridade, o que é verdadeiramente insustentável é que as políticas assumidas, por escolha de quem decide, estão a aumentar as assimetrias sociais, a produzir mais exclusão e pobreza. Mais preocupante a insensibilidade da persistência neste caminho.
Quando nos dizem que não há alternativa, é interessante registar que alguns analistas, incluindo ironicamente o próprio FMI, atribuem a rápida recuperação da Islândia à manutenção do estado social e dos apoios sociais, ou seja, privilegiou-se as pessoas e não os mercados, a banca, o contrário do diktat que nos é imposto.
A pobreza e a exclusão deveriam envergonhar-nos a todos, a começar por quem lidera, representam o maior falhanço das sociedades actuais. 

sábado, 30 de março de 2013

"QUANDO O POVO TEM FOME, TEM DIREITO A ROUBAR", Belmiro de Azevedo, 20/06/10

Ao que se lê no Público os alimentos tornaram-se o segundo produto mais roubado nas superfícies comerciais a seguir aos artigos de higiene pessoal. Assim sendo, regista-se a continuidade da preocupação com o aspecto e com a aroma que deixamos, são importantes a imagem e a limpeza, e emerge a necessidade de aconchego do estômago, próprio ou familiar, provavelmente mais um efeito colateral da crise. No entanto, é de recordar a afirmação de Belmiro de Azevedo, em 20/06/2010 numa palestra no ISG, que defendia a legitimidade do roubo quando se tem fome, pelo que até se estranha a regularidade com que os grupos económicos processam pessoas que roubam alimentos de valor insignificante. Certamente que a marca Continente e as outras insígnias do grupo Sonae assim não procedem.
Estando nós mais habituados a uma actividade nesta área realizada na escala dos milhões, muitos, que voam da banca, de empresas em falências fraudulentas, em comissões mal explicadas, em inconsequentes derrapagens financeiras nas obras públicas sendo ainda que tudo isto se passa na maior das impunidades é, devo confessar, sempre com alguma perplexidade que vejo a captura e julgamento destes pilha galinhas, bandidos saqueadores e perigosos enquanto os seus colegas de actividade, mas de outra dimensão, de outra escala, se passeiam por aí dedicando-se à sua lucrativa arte e vivem tranquilamente à sombra dos rendimentos.
É importante que estes casos de actividade delinquente cheguem a julgamento e sejam severamente condenados para, por um lado, alimentar a ideia de que a justiça funciona e, por outro lado, devolver-nos um sentimento de confiança nessa justiça e de que percepção de impunidade instalada é, evidentemente, falsa.
Com este regresso dos pilhas galinhas damos mais um passo na desejada democratização da nossa economia, roubam todos, é apenas uma questão de escala.
Numa nota final, confesso que sinto uma adolescente e romântica simpatia pelos pilha-galinhas.

O ARCEBISPO DE BRAGA SERÁ RESPONSÁVEL PELAS CONSEQUÊNCIAS

"Por que é que nós consentimos que tantos seres humanos continuem a ser vítimas da miséria social, da violência doméstica, da escravatura laboral, do abandono familiar, do legalismo da morte, da corrupção judicial, das mortes inocentes na estrada, das mentiras dos astrólogos, do desemprego, de uma classe política incompetente e do monopólio dos bancos?”, uma das questões que o Arcebispo de Braga levantou na homilia de Sexta-feira Santa que se caracterizou por um fortíssima crítica e preocupação com a vida das pessoas.
O Primeiro-ministro e Teresa Leal Coelho preparam-se para responsabilizar a Igreja pelas conseqências que este tipo de discursos podem assumir na actual conjuntura portuguesa.
Paulo Portas a quem também foi solicitado um comentário às afirmaçoes do Arcebispo de Braga, respondeu que como sempre acontece, quando está em Lisboa não comenta assuntos de Braga.

sexta-feira, 29 de março de 2013

LER A TERRA E TER A ESTRADA NA PALMA DA MÃO

Num dos dias cabaneiros que neste Inverno têm sido frequentes no Meu Alentejo, ficámos um tempinho nas lérias debaixo do telheiro. A conversa encaminhou-se para o atraso que a chuva está a causar na "semeação" e o Mestre Marrafa aproveitou para contar uma história.
Nessa altura trabalhava num Monte que tinha sido comprado por um “engenhero” novo. Quando se chegou à altura da “semeação” apareceu lá um “engenhero” velho que perguntou que quantidade de semente iam espalhar por hectare. O “engenhero” novo respondeu-lhe que nos livros dizia a quantidade. O “engenhero” velho disse-lhe para ele perguntar ao feitor velho que estava no monte há muitos anos e que deveria saber a quantidade acertada para a “semeação”. O velho explicou que embora se tenha estudar nos livros também é preciso perguntar a quem lê a terra, as terras não são todas iguais.
O Mestre Marrafa ria-se a dizer que o patrão novo nunca mais convidou o “engenhero” velho para voltar ao monte, não gostou da lição.
Esta história sobre o conhecimento que advém da prática, fez-me lembrar um episódio que se passou comigo há já um bons anos numa das primeiras viagens a Moçambique. Vinha de Chimoio para a Beira num jipe conduzido pelo Sr. Doba, uma figura notável. Como reparou que eu gostava de tirar fotografias, postais, chamava-lhe o Sr. Doba, começou a avisar-me com antecedência, “daqui a 5 km tem um sítio bom para um postal”, e assim era, mais um aviso, “a 6 km há um monte bonito para tirar um postal” e a viagem ia decorrendo com as devidas paragens para os "postais" antecipadas pelo Sr. Doba.
Depois de tantos  alertas e tão precisos, não resisti e comentei como ele conhecia bem a estrada. Olhou para mim com aquele sorriso enorme que o caracterizava e disse-me, mostrando as palmas das mãos, “a estrada está toda aqui”.
Nem sempre nos lembramos que se pode ler a terra e ter a estrada na palma das mãos.

RELVICES, UMA NOVELA HARDCORE

A novela pantanosa e “hardcore” do relvismo continua com mais um passo. O relatório da Universidade Lusófona sobre a licenciatura do "Dr." Relvas encontra-se no Ministério desde 18 de Janeiro. É certo que dois meses e meio é muito pouco tempo para o Ministro tomar alguma decisão ou tornar público o resultado, ainda assim esperado. Gostava de me enganar, seria um sinal de mudança, mas presumo que se concluirá que, apesar de algumas "desconformidades", tudo foi feito dentro do quadro legal existente. O MEC aproveitará para definir algumas alterações ou orientações para minimizar o risco de novas relvices e o "Dr." Relvas continuará dizer que não lhe pesa nada na consciência. Obviamente, o vácuo não tem peso.
Nesta novela "hardcore" da licenciatura de Miguel Relvas na Universidade Lusófona tem-se verificado, citando uma expressão popular, "cada cavadela, cada minhoca", ou seja, cada facto que se conheceu era mais despudorado, mais ambíguo, mais desrespeitador de regras éticas e de rigor e qualidade científica que se esperam ver cumpridas.
É difícil, apesar de estarmos em Portugal, compreender e aceitar a nauseabunda exibição do Relvismo, uma corrente que consegue levar o despudor, a arrogância e a delinquência ética a patamares de excelência que julgávamos já terem sido ter atingido por outras correntes do pensamento e comportamento políticos mas recentes ou mais antigos.
Lamento todo este episódio que minou e mina a credibilidade do ensino superior privado e faz duvidar de um princípio que, por si é aceitável, o reconhecimento pela academia de que existem saberes e competências que podem ser adquiridas fora da universidade, mas trabalhando mesmo e fazendo prova desses saberes e competências. Fico triste com esta situação mas não surpreendido.
O Professor Alberto Amaral, presidente da Agência de Avaliação e Acreditação para o ensino superior, expressou publicamente uma fortíssima posição crítica, sublinhando a estranheza sobre o ruidoso silêncio do Ministro da Educação e Ciência, um homem que sempre quis vender a imagem de farol e arauto do rigor e da excelência. Este ruidoso silêncio do Ministro Nuno Crato continua, tem um relatório há dois meses e meio e não se conhece nada. Claro, os amigos e os jogos de interesses são para as ocasiões.
Quanto à figura menor de Miguel Relvas, se lhe restasse uma ponta, mesmo que residual, de sentido ético e dignidade, já teria pedido a demissão.
Mas esta coisa de sentido ético e dignidade não se aprende na universidade, muito menos em meteóricas licenciaturas de um ano. Também não é possível adquirir através de equivalências incompreensíveis e habilidosas.
Que cumplicidades se escondem na inaceitável cobertura do Primeiro-ministro a uma figura que o diminui e nos insulta?

MORRER DE SOZINHISMO, O DIREITO AOS AVÓS

Umas notas minhas no Público sobre o universo dos mais velhos e dos mais novos em que alguns dos primeiros morrem de sozinhismo e muitos dos segundos crescem sozinhando.

quinta-feira, 28 de março de 2013

A ORENTAÇÃO VOCACIONAL, O EQUÍVOCO

A portaria hoje publicada que cria os Centros para a Qualificação e o Ensino Profissional que substituem os Centros Novas Oportunidades, entretanto extintos ou em extinção, estabelece que estes terão também como competência providenciar “informação, orientação e encaminhamento de jovens com idade igual ou superior a 15 anos ou, independentemente da idade, a frequentar o último ano de escolaridade do ensino básico”.  Esta tarefa tem sido competência dos Serviços de Psicologia e Orientação (SPO). O MEC afirma que em escolas ou agrupamentos que em coexistam os novos Centros e os SPO, estes devem articular-se. Certo, mas não se entende muito bem.
Duas ou três notas telegráficas. Os CNO tinham uma população alvo maioritariamente fora da idade de escolaridade obrigatória que estava fora do alcance dos SPO. No quadro que agora se desenha são-lhes atribuídas as mesmas competências que os SPO o que parece pouco adequado.
Os SPO existentes e os recursos que integram, designadamente psicólogos, são manifestamente insuficientes para assegurar as suas competências genéricas. Creio que desde1997 não existe um concurso para os psicólogos dos SPO. Os psicólogos nos anos mais recentes são contratados para projectos de apoio ao insucesso ou contatados pelas próprias escolas não constituindo, obviamente, uma rede consistente e séria de Serviços de Psicologia e Orientação. Os Centros agora criados, que serão 120, são direccionados fundamentalmente  a intervenção no âmbito da qualificação e do ensino profissional, a sua designação sugere-o.
Neste quadro e tal como parece ser a orientação do MEC existe uma um enorme equívoco sobre a tarefa de orientação vocacional.
O MEC, veja-se os discursos, parece entender por orientação vocacional a "selecção" dos alunos que frequentarão ensino profissional ou a sua versão em modo dual. Este processo de "selecção" é relativamente claro, são "seleccionados" fundamentalmente os alunos com insucesso escolar, os que "não têm jeito para escola".
Acontece que orientação vocacional, em termos muito sintéticos, é uma intervenção, por princípio destinada a todos os alunos (sendo que muitos dela não necessitarão), com ou sem insucesso, que os ajude no processo de tomada de decisão sobre o projecto de vida que querem ou podem construir.
Esta intervenção está cometida aos SPO desde que existem. Não faz sentido criar outros serviços com as mesmas competências. O que seria ajustado e racional seria a criação de uma rede adequada de SPO, com os recursos minimamente capazes de responder ao conjunto alargado das suas competências de que a orientação vocacional é apenas uma das vertentes.
Os Centros de Qualificação e Ensino Profissional deveriam ter como âmbito de intervenção os programas de formação e qualificação, quer para adultos que abandonaram o sistema, quer para alunos em situação de abandono sobretudo depois do ensino básico e durante o secundário.
A situação criada vai ampliar este equívoco mas creio que a intenção é mesmo essa, os bons estudam os maus trabalham, salvo algumas excepções que atestam a regra.

AS FORÇAS DE BLOQUEIO (remake)

A generalidade das pessoas assume com frequência um discurso sobre as dificuldades ou insucessos que se pode designar por "atribuição causal externa". Dito de outra maneira, quando alguma coisa não está bem ou não corre bem, tal facto dever-se-á a algo exterior à nossa acção ou responsabilidade. Falhamos por causa do tempo, da hora, do vento, dos outros, do material, etc., etc., conforme as tarefas e as circunstâncias. Como é evidente, este procedimento é bastante mais fácil o que atribuir a nós próprios a causa da dificuldade ou do insucesso. Nós somos bons e fazemos bem, se algo corre mal a culpa, a responsabilidade, deve estar algures. Também se percebe que, ao contrário, é com a maior das facilidades que atribuímos todos os sucessos e realizações às nossas competências e qualidades, o insucesso é que é culpa dos outros ou de alguma coisa.
No mundo da política são particularmente frequentes os exemplos deste funcionamento. Nas últimas horas tivemos dois exemplos muito nítidos.
Um poderá ser a entrevista de ontem do Eng. José Sócrates. Durante a maior parte do tempo o discurso foi no sentido de identificar as razões, externas evidentemente, que produziram dificuldades. Apenas se registou o reconhecimento de algo que não deveria ter feito, aceitar formar um governo minoritário. Tudo o que de resto aconteceu foi por responsabilidade de um conjunto de elementos, instituições ou circunstâncias a que um colega político num processo da mesma natureza chamou de "forças de bloqueio".
Um outro exemplo é o discurso de Passos Coelho remetendo para o Tribunal Constitucional a responsabilidade de uma eventual crise. A situação é curiosa. O Governo elabora um diploma, por acaso o mais importante instrumento da política governativa, o Orçamento Geral do Estado. A sua elaboração poderá ter conteúdos anticonstitucionais. A responsabilidade pelas consequências da eventual inconstitucionalidade é do Tribunal, não de quem as elaborou contra a Constituição. Mais um exemplo de atribuição causal externa a algo de que evidentemente é o primeiro responsável. Para citar um outro político, só faltou Passos Coelho clamar por "deixem-me trabalhar".
A qualidade das lideranças políticas também se afere pela capacidade de perceber e interpretar a realidade, ajustando políticas, discursos e comportamentos às circunstâncias históricas. Isto pressupõe a capacidade de mudança, de assumir da falibilidade, da humildade do reconhecimento do erro, sendo que esta atitude não deve ser confundida com fraqueza.
Ao contrário, a persistência no erro, a fuga para a frente, o entendimento de que a realidade está enganada e a sua visão é a certa, a persistência cega em políticas e em discursos fracassados, etc., são atributos dos pequenos líderes, dos líderes sem dimensão e capacidade liderança e de percepção dos problemas reais das pessoas, da maioria das pessoas.
É por isto, também, que o cenário político em Portugal é tão preocupante.

A JUSTIÇA CONTINUA EM ALERTA VERMELHO

Um relatório da Comissão Europeia da Eficiência da Justiça revela que em Portugal um processo cível demora em média cerca de três anos a ser resolvido, uma média quatro vezes mais alta que a da UE.
Este dado mostra uma das mais preocupantes e com consequências mais graves dimensões do nosso funcionamento, a ineficiência do sistema de justiça. Aliás, a própria Ministra da Justiça afirmou há meses que em Portugal "ainda existe uma justiça para ricos e uma justiça para pobres". Esta afirmação apenas surpreende por vir da ... responsável pela justiça em Portugal o que não quer, evidentemente, significar da responsável pelo estado a que a justiça em Portugal chegou.
Muitas vezes tenho referido no Atenta Inquietude que uma das dimensões fundamentais para uma cidadania de qualidade é a confiança no sistema de justiça. É imprescindível que cada um de nós sinta confiança na administração equitativa, justa e célere da justiça. Assim sendo, a forma como é percebida a justiça em Portugal, forte com os fracos, fraca com os fortes, lenta, mergulhada em conflitualidade com origem nos interesses corporativos e nos equilíbrios da partidocracia vigente constitui uma das maiores fragilidades da nossa vida colectiva.
Entre 2008 e 2010, 5341 arguidos não foram condenados por prescrição dos crimes de que estavam acusados sendo que em 2009 a prescrição evitou a condenação de 1489 arguidos já condenados em primeira instância.
Não se estranha, são recorrentes a demora, a manha nos processos judiciais com a utilização de legislação complexa, ineficaz e cirurgicamente construída para ser manhosamente usada por quem a construiu que, com base em expedientes dilatórios, promove a injustiça, ou seja, é uma justiça manifestamente marcada pelas desigualdades de tratamento como a Ministra referiu, etc. Quase todos os dias temos exemplos sobre este universo que, lamentavelmente, já não nos surpreendem, não nos sobressaltam. Quando muito, dedicamos-lhe um encolher de ombros a suportar um pensamento telegráfico, "mais um". Veja-se o que tem sido o trajecto de alguns processos, por exemplo, o que envolve Isaltino Morais.
Parece-me ainda de relembrar um relatório de 2011, creio que também da Comissão Europeia para a Eficácia da Justiça no âmbito do Conselho da Europa, que, para além de referir a morosidade, revelava que, curiosamente,  somos um dos países com um rácio maior de profissionais de justiça por 100 000 habitantes, 294,9, (envolve juízes, advogados, procuradores e notários). É notável, este facto transmite a ideia que esta gente toda se atropela, engarrafando processos e procedimentos.
É verdade que foram recentemente introduzidas alterações no  Código Penal e no Código de Processo Penal que, não sendo um especialista, não consigo avaliar do seu eventual impacto no cenário actual. No entanto, continuo a entender que não existe uma determinação sólida e consensual de alteração da teia de ineficiência que é a nossa justiça apesar da retórica das afirmações. Sofrem os cidadãos individualmente e sofre a qualidade da vida cívica de um país que percebe o seu sistema de justiça como forte com os fracos, fraco com os fortes, moroso, ineficaz e, definitivamente injusto. É mau, muito mau.
De há uns tempos para cá fomo-nos familiarizando com a emissão de alertas. Se chove vêm os alertas, se faz frio, vêm os alertas, se faz calor vêm os alertas, se faz vento vêm os alertas, se não acontece nada vêm os alertas. Tenho até para mim que a banalização de emissão de alertas pode desencadear um efeito perverso levando ao desenvolvimento de uma atitude de indiferença pois tendemos pela habituação a desvalorizar o aviso.
Deve ser o mesmo fenómeno que se passa na justiça portuguesa. Apesar de sucessivos alertas o que se tem passado ao longo de décadas no sistema de justiça português fez bater no fundo os níveis de confiança e credibilidade. E continua em alerta vermelho.

quarta-feira, 27 de março de 2013

O REGRESSO DO ANIMAL FEROZ

Após uma bem montada campanha de marketing estreou com aparente sucesso a nova produção do Farmville, "O regresso do animal feroz".
Após uma saída de cena pouco airosa o animal feroz regressou e regressou pronto para o combate na quinta.
Que se cuidem os coelhos da quinta, o animal feroz, não perdoa a derrota. Aliás, não é particularmente interessante um animal feroz ser derrotado por um coelho.
Que se cuidem os que não se sentem seguros, um animal feroz à solta é uma ameaça ao pé de um inseguro.
Que se cuidem os produtos de aviário que enchem a quinta, um animal feroz é de outra têmpera e resistência.
O animal feroz regressou para escavacar, um animal feroz não esquece e não conhece o perdão.
Que se cuide quem não cuidou do animal feroz, um animal feroz, está na sua natureza, não esquece quem o destratou.
Que na quinta não discordem do animal feroz, regressou com a certeza de sempre.
Vai ficar ainda mais animada a vida na quinta.
Esta história não tem rigorosamente a ver com a entrevista de José Sócrates à RTP, isso é matéria para os especialistas, os politólogos, mesmo que por vezes não passem de palpitólogos.

A HISTÓRIA NÃO SE APAGA

Não interessa a "retórica inflamada e sem conteúdo, as intrigas e jogadas político-partidárias que não acrescentam um cêntimo à produção nacional e não criam emprego".
Não, não fui eu, um abstencionista convicto que não se orgulha de o ser mas em que a partidocracia me transformou, que produzi esta afirmação. Foi o Presidente da República.
Como é evidente, ninguém, presumo eu, deixará de concordar com este tipo de afirmações o que me parece curioso é vir de quem vem.
Vejamos, o Professor Cavaco Silva foi Chefe de Governo de Novembro de 85 a Outubro de 95 e Presidente da República desde Março de 2006. Nestas circunstâncias, parece-me clara a ligação de Cavaco Silva com a cultura partidocrática em que vivemos e com as erradas políticas desenvolvidas no quadro da nossa adesão à CEE.
Este tipo discurso vindo de alguns políticos influentes, no activo ou mais retirados, produzido como se sempre fossem ou tivessem sido espectadores e não actores principais da cena política portuguesa,  é frequente e vende bem perante a opinião pública, mas não é sério do ponto de vista de ética política.
Parece-me sempre pouco aceitável que alguém que liderou e lidera a história, para o melhor e para o pior, queira transformar-se num mero espectador e ainda opinar como se não tivesse nada a ver com o assunto.
O meu pai sempre me disse, “se fizeres assume, a história de um homem não se apaga”.
Seria bem mais eficaz se em vez de se refugiar numa inacessível e misteriosa "magistratura de influência" que o cidadão comum não vislumbra, fizesse intervenções claras e dentro das suas competências para tentar com clareza dar fim às "intrigas e jogadas político-partidárias" ou, como também já referiu, aos "interesses partidários de ocasião".

QUE VIVA O TEATRO

Manda o calendário das consciências que se assinale hoje  o Dia Mundial do Teatro.
Num tempo em que a cultura é considerada bem de luxo e supérfluo, aqui se regista uma lindíssima afirmação de Luís Miguel Cintra no discurso de aceitação do Prémio Pessoa de 2005.
Escolheu o teatro "para continuar a fazer em adulto aquilo que fazemos em crianças, para continuar a brincar, contra toda a solidão".
Vivemos num mundo de gente só, que viva o teatro.

AS LEGALIDADES INACEITÁVEIS

Sabemos que se vivem tempos de dificuldades  nunca conhecidas por boa parte da população, com um terço da população na pobreza ou em risco, com mais de um milhão de desempregados e com carências graves nos apoios sociais decorrentes de uma política de austeridade cega e insensível. Ainda hoje a imprensa refere um artigo da insuspeita Lancet em que se questiona a insensibilidade dos Governos e da Comissão Europeia que estas políticas de austeridade têm na saúde dos cidadãos de muitos países europeus
Seria de esperar que nestes tempos ainda mais exigente e criteriosa fosse a gestão dos dinheiros públicos. A retórica dos governantes, comum a todos, é de que assim se passa. No entanto, regularmente, são conhecidas situações que embraçam e insultam os cidadãos, sobretudo, os que na pele sofrem de forma mais significativa as dificuldades.
No I lê-se que num ano o estado pagou  a uma empresa de António Borges cerca de 300 000€, para além de despesas, no âmbito de um contrato de assessoria aos processos de privatização inscritos na agenda liberal do governo. Com uma máquina pesada e qualificada o estado entende ainda contratar os serviços do abutre António Borges para o ajudar a vender património. Será legal mas não é aceitável. Recordemos, sem demagogia, as sucessivas declarações do abutre António Borges sobre o empobrecimento e o corte nos salários quando assim ganha dinheiro. Aliás, no I refere-se ainda que auferiu também 50 000€ como administrador não executivo no Grupo Jerónimo Martins. Tudo isto é de uma promiscuidade e despudor que nos insultam. Gente com um mínimo de pudor estaria calada a beneficiar do seu valor de marcado como diz Eduardo Catroga.
Uma outra situação curiosa refere-se ao facto de vários cirurgiões receberem incentivos anuais no valor de centenas de milhar de euros por ... cumprirem o seu trabalho. É assim mesmo, os cirurgiões recebem os incentivos por realizar cirurgias destinadas a baixar as listas  de espera mas realizam-nas dentro do seu horário normal o que lhes permite receber o incentivo. E não acontece nada. Certamente será legal mas não é aceitável. (Foi anunciada pela tutela a instauração de processos a estas situações).
Uma última referência a legalidade inaceitável. De acordo com a lei, claro, Silva Carvalho arguido de nas suas funções nos serviços de informações ter cometido graves procedimentos, abuso de poder, violação de segredo de Estado e de acesso indevido a dados pessoais vai ser integrado com o mesmo estatuto e remuneração nos serviços da Presidência do Conselho de Ministros.
Certamente será legal, mas não é aceitável.
A questão mais grave é que tudo isto se passa sem um sobressalto, merecendo apenas umas inconsequentes linhas na imprensa e rapidamente desaparecem na espuma dos dias.

terça-feira, 26 de março de 2013

PONHAM-SE A ANDAR, DEIXEM O LUGAR PARA OS NOVOS

Voltei a lembrar-me de Sá de Miranda, "M'espanto às vezes, outras m'avergonho". O Ministro Nuno Crato na defesa da insustentável tese de que as garantias dadas sobre o não recurso à mobilidade especial para os professores seriam só para este ano, esclarece que não está de acordo com a sua "índole" fazer declarações "para todo o sempre" pelo que estamos preparados, o que disser hoje pode ser negado amanhã, nada de novo ainda assim. No entanto, de um homem que gere um ministério, defensor intransigente do rigor e da qualidade, esperava-se um pouco mais de consistência, por assim dizer.
Mas a sua capacidade de planeamento voltou a surpreender. De facto, afirma que se no próximo ano se reformarem uns milhares de professores, os que este ano estão sem trabalho estarão "safos".
A afirmação, além de um exemplo do que é programação rigorosa, "eles estão velhos e cansados talvez se reformem" é de uma enorme elegância e simpatia. No fundo a mensagem é, os professores que estão a ser cortados, não porque não tenham trabalho, mas porque as políticas os tornam descartáveis, deverão pressionar os seus colegas mais velhos a porem-se a andar para terem lugar. Não consigo entender.
Se este discurso faz escola lá virá, de novo, a ideia do emigrem para que os que cá fiquem tenham mais facilmente trabalho, o Ministro da Solidariedade e da Segurança Social estará à espera dos velhos que partam para poupar nas reformas e o Ministro da Saúde a poupar nos gastos do SNS.
O mundo está um lugar estranho.


NEM TUDO ACONTECEU COMO PLANEADO, MAS TUDO CONTINUA COMO PLANEADO

Nem tudo aconteceu como planeado, afirmou Vítor Gaspar.
A sério?
Depois de centenas de milhar de desempregados. Depois de três milhões de pessoas à beira da pobreza. Depois de centenas de milhar de empresas na falência. Depois de milhares de pessoas que emigram à procura de um futuro por aqui ameaçado.  depois, Milhares de pessoas na pobreza. Depois de ...
Nem tudo aconteceu como planeado?!
E não acontece nada?
Acontece. Continua o rumo. "Não é agora que este Governo vai vacilar", afirmou Passos Coelho há poucos dias imeiatamente antes do desapontamento manifestado pelo Sr. Selassie, chefe de missão do FMI, sobre o nível de desemprego a que chegámos.
 

A BRUTAL AUSTERIDADE NOS NASCIMENTOS

Segundo dados da Comissão Europeia, em 2011 Portugal registou a quarta mais baixa taxa de fecundidade da União Europeia. É também conhecido que o número de testes do pezinho foi inferior a Janeiro de 2012, o que indicia a continuidade do decréscimo de nascimentos em Portugal.
Esta tendência que se acentua é mais uma preocupação emergente. A renovação de gerações exige 2,1 filhos por mulher sendo que desde 1982 que em Portugal não se atinge tal valor. Em 2011 tivemos 1,35 como índice sintético de fecundidade manifestamente insuficiente.
É ainda de registar que em 2010, um pouco mais de 10% dos nascimentos são crianças de mães estrangeiras, quando curiosamente temos discursos de governantes que nos aconselham, sobretudo aos mais novos, a emigrar e assim, lá longe, construir um projecto de vida. Os dados mais recentes sobre a emigração confirmam este fenómeno, a saída de muitos jovens.
Estes indicadores comprometem, obviamente, a renovação geracional, potenciando o envelhecimento populacional e o desequilíbrio demográfico que se tem acentuado fortemente a partir de 2003.
É ainda interessante sublinhar que trabalhos recentes evidenciam que as mulheres portuguesas são de entre as europeias as que mais valorizam a carreira profissional e a família. Também é sabido de outros estudos que as mulheres portuguesas são das que mais tempo trabalham fora de casa, aliás, são também das que mais tempo trabalham em casa.
Como parece claro, este cenário, menos filhos quando se desejava fortemente compatibilizar maternidade e carreira, exige, já o tenho referido, a urgência do repensar das políticas de apoio à família. Os salários baixos ou o desemprego são uma das razões que “obrigam” a que as famílias revejam em baixa, como agora se diz, os projectos relativos a filhos. Por outro lado, Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que, naturalmente, é mais um obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos.
Não pode ainda esquecer-se a discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais desprotegidas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirirem as mulheres sobre a intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não usarem a licença de maternidade até ao limite, etc.
Toda esta situação torna urgente a definição de políticas de apoio à família com impactos a curto e médio prazo como, por exemplo, a acessibilidade aos equipamentos e serviços para a infância com o alargamento da resposta pública de creche e educação pré-escolar, cuja oferta está abaixo da meta estabelecida bem como combater a discriminação salarial e de condições de trabalho através de qualificação e fiscalização adequadas.
Só com uma abordagem global e multi-direccionada me parece possível promover a recuperação demográfica indispensável.

AJUSTAMENTOS CURRICULARES. Quantas UCPs (Unidades de Corte de Professores)?

Ao que se lê no CM, o MEC revelou a intenção de proceder a alterações nos currículos do Ensino Básico e do Ensino Secundário. As alterações produzirão efeito já no próximo ano lectivo, embora o MEC não tenha ainda adiantado mais informação revelando apenas que está prevista "a continuidade da política do MEC nesta matéria" através da introdução "de pequenas mudanças para ajustar o sistema". A informação conhecida não é particularmente animadora.
A experiência tem mostrado que mais do que alterar como seria necessário a extensão e conteúdos curriculares, as práticas do MEC nesta matéria, revisão curricular, parecem informadas pela utilização da medida padrão UCP - Unidade de Corte de Professores. Assim, aguarda-se informação complementar sobre os ajustamentos e, muito provavelmente, sobre quantos mais professores serão postos a andar, perdão, serão candidatos à mobilidade especial.

segunda-feira, 25 de março de 2013

UNS CRIMES A DESCER, OUTROS CRIMES A SUBIR

Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna, a criminalidade geral baixou cerca de 2,3% em 2012 com perto de dez mil crimes reportados a menos que no ano anterior.
Trata-se evidentemente de uma boa notícia.
No entanto, na situação mais particular dos crimes contra a dignidade, por exemplo o desemprego,  e de negligência face à pobreza, por exemplo a ausência de apoios, a criminalidade subiu exponencialmente, sendo que os especialistas adiantam como cenário mais previsível que continue a verificar-se um aumento neste tipo de crimes.
Lamentavelmente, aqui não falham as previsões.

OS SOBRESSALTOS DA JUSTIÇA

Os arguidos dos crimes de abuso sobre os alunos da Casa Pia alegadamente realizados numa casa em Elvas foram absolvidos.
Conforme as perspectivas, para alguns ter-se-á feito justiça, finalmente. Para outros, a justiça não o foi, ou seja, absolveu quem não devia.
Não sei, não tenho forma de saber de que lado está a verdade. Ainda assim umas notas.
Creio que se reconhece terem existido abusos, disto não parece haver dúvidas. Aliás a situação de abusos na instituição eram conhecidas de há muito por gente da casa, recordo os depoimentos do Mestre Américo, durante décadas funcionário da Casa Pia.
Havendo crime temos vítimas e criminosos.
Não sei se os agora absolvidos de alegados crimes na casa de Elvas, produziram ou não os crimes, o Tribunal absolveu-os.No entanto, alguns dos agora absolvidos estão condenados a penas efectivas no âmbito do processo principal, por assim dizer. Por outro lado, sabe-se que muitas outras figuras escaparam ao envolvimento no processo.
O cenário de abusos conhecido permite dizer seguramente que em termos globais a justiça ficou longe de mostrar e cumprir o seu papel social face ao que se passou durante muitos anos naquela instituição.
Na verdade, os grandes culpados de tudo isto foram os miúdos que me admira não terem ainda sido processados por assédio. Se não se têm queixado, armados em piegas, e algumas outras pessoas não tivessem levado a sério nada disto se teria verificado. E tudo seria bem mais tranquilo.
Finalmente, todo o enredo em que se transformou este caso, como tantos outros, independentemente da sua fundamentação jurídica, mostra como em Portugal a justiça e a lei são um amontoado de alçapões e manhas muito úteis a quem deles se saiba servir.

O CRIME COMPENSA

Sem surpresa, estamos em Portugal, o Tribunal da Concorrência de Santarém decidiu reduzir para menos de metade a multa que a Autoridade da Concorrência tinha decidiu aplicar à cadeia de supermercados da Jerónimo Martins por vendas abaixo do preço de custo na extraordinária campanha de 50% de desconto no 1º de Maio o que lhe valeu a obscena multa de 30 000€.
O crime compensa. Recordo que Soares dos Santos afirmou na imprensa a obtenção de um ganho de 25 a 27 milhões de euros com o amargo espectáculo que o Pingo Doce, proporcionou nesse 1º de Maio.
Ainda em relação a práticas deste grupo económico, lembram-se que o Pingo Doce anunciou deixar de aceitar pagamentos com cartão de crédito ou débito para quantias abaixo dos 20€. No folheto de anúncio da medida, dirigido aos consumidores, lia-se que, "ao pagar as suas compras com dinheiro até 20 euros está a ajudar-nos a concretizar mais oportunidade de poupança para si". Um fino exemplo de hipocrisia e manha.
Na verdade, a decisão permite ao Grupo uma poupança estimada em cinco milhões de euros. A DECO considera a medida pouco favorável aos consumidores em termos de comodidade e segurança.
Compreendo evidentemente que a gestão de uma qualquer empresa deve, necessariamente, considerar a economia de custos pelo que, do ponto de vista do Grupo Pino Doce, a decisão inscreve-se num acto de gestão que visa redução de custos através da poupança nas comissões relativas aos terminais. Tudo bem, é a economia, o mercado.
O que me causa algum embaraço nestas histórias é a recorrente postura e discurso hipócrita da liderança do Grupo, designadamente, de Alexandre Soares dos Santos que se assume como campeão de ética e transparência, lembram-se certamente da famosa declaração pública "Truques é para o Sócrates, não comigo".
Também recordo, Nicolau Santos denunciou-o no Expresso, que quando o Governo fez aumentar o IVA, foi publicitado até à exaustão que a cadeia Pingo Doce não o aumentou, mas, na verdade, repercutiu o aumento nos preços pagos aos produtores, esmagando, assim, as suas já reduzidas margens. Continuou desta forma manhosa a assegurar a fatia de leão do lucro, a distribuição, e ainda pôde proclamar que não aumentou o IVA. Entretanto, certamente com cobertura legal, também mudou para a Holanda a sede de algumas actividades do Grupo, à procura de benefícios fiscais.
Com a maior desfaçatez estas e outras iniciativas têm invariavelmente o intuito afirmado de ajudar e defender as famílias e as suas dificuldades.
Assim, para que não passe por pobre e mal agradecido, em meu nome e em nome de milhares de outras famílias, o meu muito obrigado ao Pingo Doce e a Alexandre Soares dos Santos pela persistente defesa dos nossos interesses sacrificando os seus próprios objectivos.

CORPO EM ESTADO INTERESSANTE, VENDE-SE: Motivo: sobrevivência

Segundo o Grupo Português de Activistas sobre Tratamentos VIH/SIDA tem-se verificado um aumento do trabalho sexual com riscos acrescidos relativamente à incidência do VIH.
O aumento da prostituição, uma consequência, mais uma entre muitas, da crise, já tem sido referenciado na comunicação social. Em vários trabalhos têm surgido depoimentos de mulheres afirmando que o recurso à prostituição é uma questão de sobrevivência, relatando situações de desemprego e necessidades familiares, incluindo filhos.
Ainda não há muito tempo as instituições que compõem a Rede sobre o Trabalho Sexual também referiram um aumento do número de mulheres portuguesas que se prostituem sendo que o Algarve se está a tornar também um destino de turismo sexual.
Este quadro é elucidativo e mostra alguns dos efeitos trágicos dos tempos que vivemos. É conhecido que mais de metade dos desempregados não tem acesso ao subsídio de desemprego. As pessoas vivem de quê, sustentam-se e sustentam os seus, como?
Na verdade, não é a primeira referência que surge nos últimos tempos relativa ao aumento de mulheres que se prostituem como forma de sobrevivência pessoal e de suporte a filhos e família. Muitas fazem-no em situações particularmente degradantes, ainda que o sejam sempre, sujeitas a tudo e mais alguma coisa, na beira da estrada, vivendo a miséria humana no que tem de mais feio, a venda de si mesmo, o único bem que possuem, o corpo, sendo que, algumas, provavelmente nem do seu corpo serão soberanas.
Neste cenário, os riscos para a saúde própria e de terceiros serão certamente considerados secundários.

domingo, 24 de março de 2013

AS PALAVRAS (MAL)DITAS

O chefe de missão do FMI, Abebe Selassie, nosso governante não eleito, fiscal do trabalho dos feitores que nos administram, produz em entrevista à Lusa um conjunto de afirmações inacreditáveis. Entre outras referências, o Sr. Selassie entende que “o resultado do emprego é muito infeliz”, manifesta-se “desapontado com o facto dos preços da electricidade e das telecomunicações não terem descido”. Estas afirmações são proferidas por quem é o mandante das políticas que produzem os efeitos que acha “infelizes” e o “desapontam”.
Esta gente não se enxerga. Não têm que ser humanos, no entanto, poderiam, pelo menos, tentar parecer. Na verdade, com alguma regularidade são produzidas afirmações que me deixam alguma perplexidade. Lembrar-se-ão as afirmações do Primeiro-ministro considerando que o "desemprego pode ser uma oportunidade para mudar de vida" e "não tem de ser visto como negativo". Recordo ainda os discursos aconselhando a emigração, a necessidade de se sair da "zona de conforto" ou ainda a famosa referência à necessidade de não sermos "piegas".
Umas notas breves, de um não especialista, sobre a questão da comunicação, sobretudo das lideranças políticas.
A primeira questão é exactamente essa, o peso social do mensageiro condiciona o conteúdo da mensagem, ou seja, a mesma frase não tem o mesmo valor afirmada por um cidadão comum ou proferida por uma figura com responsabilidades de decisão sobre a vida das pessoas. Assim sendo, as lideranças políticas assumem maior responsabilidade pelas afirmações que fazem.
Uma segunda nota prende-se com a justificação das afirmações, o seu conteúdo e forma. Todos os dias a imprensa e responsáveis de instituições de solidariedade social nos dão conta de situações de pessoas, milhares de pessoas, que estão a viver abaixo de um limiar que lhes garanta padrões mínimos de qualidade de vida, incluindo dificuldades de alimentação afectando crianças. Conhecemos muitas histórias de inacessibilidade a tratamentos e serviços de saúde por dificuldades económicas. Muitos milhares de famílias têm entregado as suas casas à banca por incumprimento de créditos, etc. Para muitas destas pessoas, afirmações como as que estão em análise são quase insultuosas e, portanto, inaceitáveis. Na verdade, este cenário devastador aumenta a pressão sobre o discurso dos líderes políticos, exactamente os que são responsabilizados pelos problemas ou, pelo contrário, de quem se espera a minimização desses problemas.
Pode sempre afirmar-se que haverá alguma razão nas afirmações ou que a intenção não é a de desvalorizar os dramas que afectam muitos milhares de pessoas.
No que respeita à eventual razão, mesmo que em algumas situações pudessem ser entendidas, toda a gente as ouve pelo que não podem deixar de se sentir envolvidas e agredidas. Quanto à intenção, a sua não existência, e acredito que não exista, não colhe. Numa certa altura do desenvolvimento dos miúdos, o seu desenvolvimento moral e intelectual leva-os a considerar que a sua não intenção de realizar algo, desculpa o que aconteceu, tal entendimento traduz-se no frequente "foi sem querer" e como "foi sem querer", não tem problema.
A questão é que os líderes políticos, os que verdadeiramente são líderes, apesar de não possuírem, felizmente, o dom da infalibilidade e da perfeição, não podem, não devem proferir determinadas palavras e persistirem teimosamente na sua afirmação.
São palavras mal ditas.
O Sr. Selassie perdeu uma excelente oportunidade de ficar calado ou, em alternativa, mesmo que não passasse de hipocrisia, expressar uma palavra de solidariedade para com os portugueses.

PRODUÇÃO DE LIXO REVISTA EM BAIXA, PEGADA ÉTICA CONTINUA EM ALTA

Ao que parece e como efeito, mais um, das dificuldades que atravessamos, a produção de lixo tem vindo a baixar significativamente afectando os operadores do sector de tratamento e reciclagem.
Eventualmente, poderá ter a vantagem de diminuir a nossa pegada ecológica pois apesar dos progressos, boa parte do lixo e desperdício ainda não é reciclado. O mesmo não parece acontecer com as outras pegadas. A ver se explico, retomando umas notas antigas.
O despertar das consciências para as questões do ambiente e da qualidade de vida colocou na agenda a questão das pegadas, das marcas, que imprimimos no mundo através dos nossos comportamentos. Este novo sentido dado às pegadas tornou secundárias e ultrapassadas as míticas pegadas dos dinossauros e as românticas pegadas que os pares de namorados deixam na areia da praia.
Fomo-nos habituando a ouvir referências às várias pegadas que produzimos com nomes e sentidos mais próximos ou mais distantes mas, sobretudo, tem-se acentuado a grande preocupação com a diminuição do peso, isto é, do impacto das nossas pegadas. Conhecemos a pegada ecológica numa perspectiva mais global ou, em entendimentos mais direccionados, a pegada hídrica, a pegada energética, a pegada verde, a pegada do papel, a pegada do carbono, etc.
Do meu ponto de vista e sempre preocupado com o ambiente, com a qualidade de vida e com a herança que deixaremos a quem nos segue, nunca encontro referências e muito menos inquietações sérias com a pegada ética, isso mesmo, a pegada ética. Os comportamentos e valores que genericamente mobilizamos têm, obviamente, uma consequência na qualidade ética da nossa vida que não é despicienda. Os maus-tratos e negligência que dedicamos aos princípios éticos mais substantivos provocam um empobrecimento e degradação do ambiente e da qualidade de vida das quais cada vez parece mais difícil recuperar.
As lideranças, hipotecando a sua condição de promotores de mudanças positivas são fortemente responsáveis pelo peso e impacto que esta pegada ética está a assumir. Regularmente temos exemplos muito claros.
Vai sendo tempo de incluir a pegada ética no universo da luta pelo ambiente, pela qualidade de vida e pelo futuro.

sábado, 23 de março de 2013

REMODELAÇÃO? MAIS DO MESMO

Não me quero intrometer no novo ofício de politólogo, os profissionais que estudam e analisam a ciência política, mas na qualidade de cidadão minimamente atento ao que nos rodeia, umas notas sobre um fenómeno que me parece interessante e curioso, as remodelações nos elencos governativos.
Sempre que os governos, independentemente da sua natureza partidária, começam a sofrer alguma contestação, natural, devida, por um lado às opções políticas demonstradas e por outro lado à incessante luta entre quem tem o poder e quem a ele aspira, surgem referências e cenários sobre remodelação, numa espécie de relação mágica, se as caras mudarem a realidade também muda. Sempre assim foi, sempre assim será, se não se alterarem os modelos e culturas de organização política, sendo que os efeitos são habitualmente pouco consistentes porque o acessório raramente substitui o essencial.
Os tempos que atravessamos não fogem a este processo. Têm sido insistentes as vozes, mesmo de entre os partidos integrantes da coligação, que reclamam pela remodelação com a curiosidade semântica de alguns lhe chamarem "refrescamento", o que não deixa de ser interessante. A estas vozes juntou-se hoje Pires de Lima, dirigente do CDS.
No entanto, creio que os últimos tempos nos obrigam a pensar e a exigir mais do que uma remodelação, um refrescamento que parece agora ir acontecer. A questão de fundo não é a composição o Governo, é a mudança nas suas políticas.
O Governo tem feito, todos o fazem, a defesa das suas opções políticas, com a única alternativa possível e séria. A utilização deste argumento, intimidatório, é velha, tem uma longa tradição, ou é assim ou é o caos. Pretende criar e induzir o medo e a convicção de que não existe qualquer outro rumo que não o por si traçado.
Como bem escrevia há tempos no Público o insuspeito Pacheco Pereira, no início do seu mandato o Governo, dadas as circunstâncias em que o país estava, encontrou um clima adequado para que as suas políticas fossem entendidas como o único caminho. Muitos dos portugueses interiorizaram a necessidade de sacrifícios e austeridade, numa perspectiva transitória e que devolvesse o equilíbrio perdido. O que tem acontecido é conhecido, têm vindo a ser produzidos sucessivos pacotes de austeridade e sacrifício que resultam em desemprego, exclusão, recessão, cortes fortíssimos em áreas chave com saúde, educação e segurança social e com uma percepção cada vez mais nítida e indesmentível de que são pacotes profundamente injustos, desiguais, massacrando sobretudo rendimentos do trabalho ou de pensões e reformas, o consumo, que penaliza os mais baixos rendimentos e deixando de fora rendimentos muito altos de outra natureza, aceitando incompreensíveis e sucessivas excepções aos sacrifícios e mantendo mordomias e despesa pública inaceitáveis.
Neste quadro de sofrimento e descontentamento, ao Governo já não lhe basta remodelar, refrescar caras e ideias, como lhe chamou Marques Mendes, ou seja, outras caras, com outras palavras para realizar as mesmas obras seria o fim, ou melhor, o princípio do fim.
Existem alternativas, sabemos todos que existem alternativas, que são exequíveis, que são respeitadoras dos compromissos internacionais e da necessidade de equilíbrios orçamentais mas sobretudo, é essa a questão essencial, respeitadoras da dignidade das pessoas.
Não acredito que o Governo, este Governo, considere eventuais alternativas, o seu discurso e praxis não autorizam que se pense em mudança significativa, pelo que uma "simples" remodelação será, como já referi, o princípio do fim, do Governo ou da nossa capacidade de aceitação do inaceitável.

OS ADIANTADOS MENTAIS

O Público dedica um trabalho à abutresca figura de António Borges. O trabalho intitula-se ”António Borges: um liberal com uma missão”.
A peça regista a “notoriedade nacional” e a “projecção internacional” atingidas pela figura. Não tenho dúvidas sobre isso, embora a história esteja cheia de figuras com enorme projecção e notoriedade conseguidas de muitas maneiras, algumas nem sempre muito positivas ou recomendáveis.
A abutresca figura de António Borges tem-se, é verdade, distinguido pela produção de um conjunto de afirmações que se constituem como autênticos insultos à nossa inteligência e sensibilidade, como as referências sobre a ignorância dos empresários que rejeitavam a TSU, que aliás, veio a cair, ou sobre os salários que precisam de baixar num país de pobres.
A abutresca figura inscreve-se num grupo pequeno, uma verdadeira elite, que se considera uma espécie de “adiantados mentais” que assumem a suprema generosidade e compaixão de estarem num país de gente estúpida a quem precisam de iluminar o caminho. Desde já os meus agradecimentos.
É essa a sua missão, tratarem da vida do povo ignorante, mão-de-obra barata, perdão, activos descartáveis, que estão ao serviço dos seus inspiradores e mestres, os mercados. Neste grupo integrasse também, por exemplo, o Secretário de Estado Carlos Moedas, outro génio em missão, aliás discípulo da abutresca figura, António Borges. Este rapaz, já com larguíssima “projecção internacional” vai fazendo pela sua “notoriedade nacional”. Hoje noticia-se que contratou para a equipa de acompanhamento do memorando da troika dois pequenos génios, o Tiago e o João, de 21 e 22 anos, certamente também uns “adiantados mentais” pois com esta idade e já com a formação e/ou a experiência que os torna capazes de tarefas tão exigentes, só mesmo na condição de génios. Nem Miguel Relvas conseguiu tanto.
É desta natureza a missão das “notórias” figuras como Borges ou Moedas. A nós, ignorantes, incapazes de perceber a sua sofisticada inteligência e entendimento sobre a vida, resta-nos, de novo, agradecer o seu espírito de missão.

ESTE PAÍS VAI TER QUE SER PARA VELHOS

No Público divulga-se um estudo da DECO sobre os custos da estadia em lares para idosos segundo o qual dois terços dos utilizadores não têm rendimentos que lhes permitam suportar os custos da estadia nas instituições, dependendo assim das ajudas familiares. As graves dificuldades que muitas famílias atravessam criam situações muito complicadas para milhares de pessoas. Talvez este cenário contribua para entender os resultados da Operação Censos Sénior realizada pela GNR que encontrou mais de 28 000 idosos a viver sós ou em situação de isolamento. Deve registar-se que esta operação decorre fora das áreas urbanas e o número encontrado representa um aumento de 22.6% relativamente a 2012. Nas áreas urbanas o número de idosos a viver sós está também em crescimento. Acresce em todo este universo o movimento de envelhecimento progressivo da população portuguesa levando a que para 2030 as projecções apontem para que metade da população portuguesa esteja acima dos 50 anos.
Numa altura em que continua na agenda a reforma do estado que, parece, assenta nos cortes das suas funções sociais este cenário exige uma profunda atenção. A discussão necessária sobre o chamado estado social decorre num contexto particularmente adverso que pode, existe esse sério risco, fazer emergir ameaças sobre a sua sustentabilidade e, naturalmente, sobre a sua matriz conceptual.
Na verdade e pensando sobretudo no quadro actual e futuro próximo, a nossa população mais velha vive de uma forma genérica em condições muito precárias, como também sabemos que a população mais jovem é a mais exposta ao risco de pobreza para além dos velhos. Aliás, como é conhecido a tragédia do desemprego afecta sobretudo os mais novos e os mais velhos.
Os idosos começam por ser desconsiderados pelo sistema de segurança social que com pensões miseráveis, transforma os velhos em pobres, dependentes e envolvidos numa luta diária pela sobrevivência. Continua com um sistema de saúde que deixa muitos milhares de velhos dependentes de medicação e apoio sem médico de família. Em muitas circunstâncias, as famílias, seja pelos valores, seja pelas suas próprias dificuldades, não se constituem como um porto de abrigo, sendo parte significativa do problema e não da solução. Por outro lado e para além dos custos das instituições, importa ainda considerar a acessibilidade da oferta e a respectiva qualidade.
Segundo o INE e reportando-se a 2009 a taxa de risco de pobreza em Portugal continua alta, tendo subido na população idosa, 20.1 % deste grupo etário vive esta situação. Se considerarmos os efeitos conjugados das dificuldades económicas e dos cortes em políticas sociais de 2010, 2011 e 2012, esta taxa tenderá seguramente a subir.
É também pertinente relembrar que dados do Eurobarómetro sobre os impactos sociais da crise, mostravam em Junho de 2010 que os portugueses tinham como preocupação fundamental a pobreza, 91% dos inquiridos, e a velhice, 69% dos inquiridos.
Se olharmos para conjunto de dados que vão sendo disponibilizados, verifica-se que as condições estruturais se mantêm sem alterações, estamos na mesma posição de pobreza há vários anos e, por outro lado, as condições conjunturais, a crise, acentuam a preocupação com a pobreza e com a velhice o que define um cenário altamente inquietante em termos de confiança no futuro e na desejada e necessária qualidade de vida.
Temos vindo a assistir a um acréscimo de dificuldades das organizações de solidariedade social no providenciar de apoios às dificuldades crescentes da população, sobretudo à mais idosa, e retorna a mendicidade ou o bater à porta das instituições, porventura de forma mais envergonhada e a atingir camadas diferentes.
Neste cenário, todas as medidas que de alguma forma atinjam os mais velhos devem ser objecto de uma extrema reflexão no sentido de evitar que se acentuem as dificuldades no (sobre)viver de uma parte significativa da população portuguesa.
Lamentavelmente, boa parte dos velhos, sofreu para chegar a velho e sofre a velhice.
Não é um fim bonito para nenhuma narrativa.
Se a este quadro já instalado acresce o envelhecimento progressivo, o futuro exigirá mudanças substantivas e soluções novas.
Este país não estando a ser para jovens vai ter que ser para velhos.

sexta-feira, 22 de março de 2013

OS PROFESSORES A MAIS E A SÍNDROME PÓS-MINISTÉRIO

Como se costuma dizer, atrás dos tempos, tempos vêm. A ex-Ministra da Educação Maria de Lourdes Rodrigues divulga no Público um texto de opinião sobre as necessidades de professores no nosso sistema educativo. O texto é curioso e inscreve-se na síndrome muito frequente em Portugal que costumo designar por “Síndrome Pós-ministério”. É um quadro que afecta muitas pessoas que tendo ocupado funções de responsabilidade política durante algum tempo não realizaram muito do que seria necessário ou fizeram mesmo o que não deveria ser feito mas que quando cessam funções exprimem opiniões, realizam conferências ou escrevem livros sobre o que deve ser feito e como deve ser feito no sector em que tiveram responsabilidades mas que “se esqueceram”, “não souberam, “não quiseram”, "não conseguiram" realizar. É muito interessante a análise desses materiais à luz dum “ferramenta” chamada memória.
Retomando a questão das necessidades de professores, como já tenho referido, parece-me claro que a questão do número de professores necessário ao funcionamento do sistema é uma matéria bastante complexa que, por isso mesmo, exige serenidade, seriedade, rigor e competência na sua análise e gestão, exactamente tudo o que tem faltado neste processo, incluindo a alguns discursos de representantes dos professores.
O Ministério sustenta o número de vagas definido com “a actual conjuntura económica e financeira” pelo que promove “a empregabilidade possível”, sendo que as “vagas colocadas a concurso foram definidas em função das necessidades reais e futuras do sistema”. O MEC argumenta ainda com as alterações demográficas que, aliás, tratou de forma incompetente e demagógica.
No entanto, do meu ponto de vista, importa não esquecer que existem muitos professores deslocados de funções docentes, boa parte em funções técnicas e administrativas que em muitos casos seriam dispensáveis pois fazem parte de estruturas do Ministério pesadas, burocráticas e ineficazes que, aliás, o ministro Nuno Crato achou que deveriam implodir. Para já, o risco de implosão ameaça mais a escola pública que o Ministério.
Por outro lado, os modelos de organização e funcionamento das escolas, com uma série infindável de estruturas intermédias e com um excesso insuportável de burocratização, retiram muitas horas docentes ao trabalho dos professores que estão nas escolas.
No entanto, creio que o “excesso” de professores no sistema e sem trabalho deve ser também analisado à luz das medidas da PEC – Política Educativa em Curso. Vejamos alguns exemplos.
Em primeiro lugar, a mudança no número de professores necessários decorre do aumento do número de alunos por turma que, conjugado com a constituição de mega-agrupamentos e agrupamentos leva que em muitas escolas as turmas funcionem com o número máximo de alunos permitido e, evidentemente, com as implicações negativas que daí decorrem.
As mudanças curriculares com a eliminação das áreas não curriculares que, carecendo de alterações registe-se, também produzem um desejado e significativo “corte” no número de professores, a que acrescem outras alterações no mesmo sentido.
O MEC “esquece-se” obviamente destes “pormenores”, apenas se refere à demografia e aos recursos disponíveis para, afirma, definir as necessidades do sistema.
Este conjunto de medidas sairá, gostava de me enganar, muito mais caro do que aquilo que o MEC poupará na diminuição do número de docentes, que ficarão no desemprego, muitos deles tendo servido o sistema durante anos, como a insustentável situação dos “horários zero” tem vindo a exemplificar.
Como já tenho afirmado, ficarão sem trabalhar, não porque sejam incompetentes, a maioria não o é, não porque não sejam necessários, a maioria é, mas “apenas” porque é preciso cortar, custe o que custar.
O texto de Maria de Lourdes Rodrigues é interessante mas não faz esquecer que a autora foi Ministra da Educação, não vem de uma espectadora interessada e estudiosa do universo da educação. Existe memória.

O MEC EM MODO UCP - Unidades de Corte de Professores

Horas depois do Secretário de Estado, Casanova de Almeida, ter apresentado um mapa de Quadros de Zona Pedagógica com sete zonas e desdizer o que ele e o Ministro Crato têm vindo a afirmar sucessivamente sobre a colocação de professores em mobilidade especial, o MEC apresenta hoje uma nova proposta agora com 10 quadros de zona pedagógica. Poderia ser estranho se não fosse habitual tamanha “flexibilidade” de discursos e procedimentos. A razão será, evidentemente, tão boa quanto a primeira versão, ou seja, terá a sua tradução em Unidades de Corte de Professores a unidade de medida das políticas educativas.
A medida é coerente com boa parte da PEC - Política Educativa em curso que aparenta como grande missão baixar os custos da educação, sobretudo à custa dos professores. Assim sendo, tudo o que é pensado em termos de política educativa é calculado em UCPs – Unidades de Corte em Professores. É o caso dos mega-agrupamentos, da espécie de reforma curricular realizada, do aumento do número de alunos por turma, do processo de colocação, etc.
Além do mais, estas estratégias são desenvolvidas de forma manhosa, anuncia-se uma coisa e faz-se outra com justificações que embaraçam a inteligência.
Se o MEC praticasse nos gabinetes de decisão a sua poção mágica, os exames, o chumbo desta gente era garantido. No entanto, dada a existência do sistema dual, poderiam sempre dedicar-se a aprender uma profissão, pasteleiro, talhante ou voltar ao campo e à lavoura.

UMA MOÇÃO ASSIM TIPO SEI LÁ

Parece que o PS vai mesmo apresentar no Parlamento uma moção de censura ao Governo. Dada a composição partidária da Assembleia a moção está condenada ao fracasso e à inconsequência.
Como muitas vezes aqui tenho escrito, a persistência insensível e insensata do Governo no prosseguimento de uma política de austeridade cega que empobrece, arrasta o país para um recessão fortíssima, continua a fazer aumentar o desemprego e a desesperança merece, obviamente, censura.
No entanto, creio que o calculismo e a gestão dos interesses partidários têm motivado um posicionamento ambíguo por parte do PS, não conseguindo ou não querendo definir, clara e seriamente, políticas alternativas que justifiquem a moção de censura agora decidida. A prova é a percepção do eleitorado traduzida nas apreciações e intenções de voto reveladas em sucessivas mensagens.
Creio que este passo é mais uma espécie de prova de vida interna de António José Seguro que uma verdadeira iniciativa capaz de mudar o rumo dos acontecimentos.
É assim uma moção tipo sei lá.

quinta-feira, 21 de março de 2013

QUANTO MENOS GANHARES MAIS RICO E FELIZ SERÁS. ACREDITA

O Presidente da República, desta vez sem ser através do Facebook, voltou a afirmar que “a precariedade e, por esta via, a manutenção de salários baixos não é a solução para os problemas da economia portuguesa, sobretudo quando serve para colmatar insuficiências de liderança, lacunas organizativas ou falta de inovação”. Aliás, há poucas semanas Cavaco Silva também tinha afirmado, “Não pensem que é pelos baixos salários que se garante a competitividade da economia”.
Vale pena registar este entendimento apesar do pouco impacto que a "magistratura de influência" do Presidente parece ter na acção dos feitores que nos administram em nome dos mercados.
Estas declarações contrapõem-se a discursos inaceitável e insultuosos como o mais recente de Belmiro, “se não for a mão-de-obra barata, não há emprego para ninguém", ou o produzido há semanas pelo abutre António Borges, companheiro de estrada e de filiação partidária de Cavaco Silva, "o ideal era que os salários descessem".
Este é também, como é sabido o ideário de Passos Coelho e que se torna difícil de entender quando se destina a um país com perto de três milhões de pessoas em risco de pobreza e em 7 em cada dez famílias se sentem financeiramente vulneráveis e apenas 4 % das famílias sente "segurança financeira" conforme estudo hoje divulgado pelo Jornal de Negócios.
Parece razoavelmente claro que a proletarização da economia como defendem o abutre Borges ou o "patrão" Belmiro não poderá ser a base para o desenvolvimento económico, mas sim o investimento e a disponibilização de crédito a custos razoáveis, sobretudo para as pequenas e médias empresas que de forma mais ágil criam emprego e emprego qualificado que não pode ter a indignidade dos salários que conhecemos.
De facto, basta atentar na situação de outros países, o nosso desenvolvimento e crescimento não irá nunca assentar no empobrecimento de quem trabalha, pagando menos por mais tempo de trabalho e, muito menos, na tolerância a situações de chantagem em que as pessoas, para manter o emprego e assegurar um mínimo para a sobrevivência, se sentem obrigadas a aceitar situações degradantes e humilhantes que configuram uma nova escravatura. Esta situação afecta tanto a mão de obra menos diferenciada, o trabalho em limpeza por exemplo em que se "oferecem" 2 € por hora, como a mão de obra mais especializada com a "oferta" do salário mínimo ou nem isso a gente com formação superior como é recorrentemente noticiado.
Eu sei que os tempos vão de maneira a que muitas pessoas preferem umas migalhas, custe o que custar, ao desemprego, mas não podemos aceitar que vale tudo na forma mais selvagem de funcionamento dos mercados.
Apesar da afirmação do Presidente da República, há mesmo quem pense que os baixos salários, que não o seu evidentemente, são algo de positivo e promotor de desenvolvimento. Desde que não seja os seus porque esses são totalmente merecidos e como diz Eduardo Catroga, correspondem a um valor de mercado.
Os outros, a maioria, obviamente, não têm valor de mercado, nem chegam a ser pessoas, são activos descartáveis.

PELA SAÚDE DOS MIÚDOS

Como tem sido frequentemente noticiado as situações dramáticas que muitas famílias atravessam têm consequências fortíssimas na qualidade de vida dos miúdos. Relatórios recentes indicam que em Portugal e reportando a dados de 2011, 28,6% das crianças estavam em risco de pobreza ou exclusão. Dados mais actuais seriam certamente mais gravosos.  Neste universo, são conhecidas as carências do ponto de vista alimentar sofridas por muitas crianças e adolescentes que, com progressivo aumento, têm nas cantinas escolares as suas únicas refeições. Esta situação leva a que na generalidade dos concelhos as autarquias mantenham várias cantinas escolares abertas nas férias, como também tem sido referido na comunicação social.
Neste cenário muito ameaçador do bem-estar de milhares de crianças e com potencias efeitos graves no seu desenvolvimento e percurso educativo, são de saudar as alterações no Programa Nacional de Saúde Infantil e Juvenil que introduz mais duas consultas de rotina no acompanhamento a todas as crianças e adolescentes, reforçando sobretudo a fase inicial da escolaridade obrigatória com consultas aos 5 anos, seis ou sete e aos dez anos. Esta decisão é ajustada e por isso merece registo.
No entanto, estando na agenda a reforma do Estado o que na perspectiva dos feitores que nos governam quase sempre quer dizer cortes nas áreas sociais, educação, saúde e segurança social, temo que este Programa Nacional seja apenas mais um dos muitos instrumentos formais, normativos ou técnicos, com boa qualidade mas que por várias razões nunca são adequadamente postos em prática, situação, aliás, muito frequente m Portugal, excelentes leis e excelentes planos mas uma execução e eficácia medíocres.
Como também é sabido, as alterações no SNS têm levado, os especialistas testemunham isso mesmo, a que muitas pessoas não acedam a tratamentos ou consultas por dificuldades financeiras e pelos custos dessa acessibilidade que foram agravados.
Vamos ver o que acontece.

RTP REFORÇA A SUA EQUIPA DE PALPITÓLOGOS PARA A PRÓXIMA ÉPOCA

Agora sim, a coisa aquece, o grande "entertainer" político, mais conhecido por "O Professor Marcelo", o Senador Marques Mendes que se cuidem. Depois de um período de estudo aprofundado em Paris, vai chegar uma nova estrela ao mundo dos palpitólogos. Ao que consta, José Sócrates acaba de assinar com a RTP um contrato, "pro bono", para a próxima época. Ao que também se diz, a equipa de palpitólogos da RTP é reforçada ainda com Nuno Morais Sarmento o que lhe dá a esperança de realizar um bom campeonato no mundo da palpitologia.
Nos últimos anos, a comunicação social, nos seus diferentes suportes, tem sido invadida por uma onda de palpitólogos, opinadores "tudólogos", sobre tudo e mais alguma coisa, muitas vezes com um passado longo em funções políticas e que tranquilamente assumem uma visão muito clara sobre tudo o que deve ser feito e como deve ser feito, mas que quando tiveram responsabilidades não realizaram, ou seja, “sei muito bem o que deveria ser feito, mas quando fui ministro esqueci-me” o que, obviamente, não se estranha em muitos destes palpitólogos.
Acontece ainda que boa parte deste pessoal assume este papel de palpitólogo ao serviço das omnipresentes agendas partidárias ou pessoais, o que não sendo grave, deveria ser claro. Daqui decorre que muitos não têm qualquer coisa de relevante a dizer para além do óbvio e da cartilha pessoal, quase sempre disse, também, partidária.
Em Portugal, confunde-se de forma frequente comentar em espaço público com dizer “umas coisas” sobre um qualquer assunto que esteja na agenda. Comentar em espaço público e acrescentar massa crítica à análise da realidade, não porque detenham a verdade ou o saber, mas porque acrescentam qualidade à reflexão ou informação, pressupõe conhecimento e estudo que muitos dos palpitólogos não têm sobre muitos dos assuntos de que falam, refugiando-se em exercícios de futurologia, em retóricas sem substância ou em discursos de manipulação e demagogia.
De forma despudorada emitem com ar sério opiniões travestidas de análise e que entendem como saber, tudo isto servido muitas vezes por um enorme umbiguismo.
Estranhamente, boa parte da comunicação social, num enjeitar das responsabilidades que lhe cabem, não prescinde desta fauna e disputam a sua presença.
Que cansaço.
Este é, naturalmente, o desabafo do palpitólogo que habita este espaço.

UM INVERNO COMO OS DE ANTIGAMENTE ... UMA POBREZA TAMBÉM

Felizmente tem sido, como muitas vezes se afirma cá em casa, um Inverno como os de antigamente, sobretudo no que à chuva respeita. De facto, após muitos anos de Invernos secos ou com pouca chuva, este ano a coisa tem corrido bem, sendo que a muita chuva caída, com algumas excepções até com resultados trágicos, como há dias nos Açores ou os tornados que se verificaram, tem sido, como se diz no Alentejo, uma chuva bem chuvida, sem enxurrar o que estragaria cultivos. Nem faltou um alerta para cheias no estuário do Tejo.
Por outro lado, por ganância e incompetência dos homens também alguns outros aspectos nos lembram os do antigamente. Estamos num caminho de sentir a pobreza como antigamente.
É óbvio que ser pobre hoje, tal como ser rico, não é como era há décadas, as diferenças são significativas e muitas. No entanto, algumas das dimensões da pobreza são recorrentes, invariáveis, e sentem-se, e doem, e matam.
A privação, a dignidade ameaçada ou roubada,  o quotidiano transformado numa luta pela sobrevivência, a ausência de apoios e a dependência da caridade, a desesperança e um amanhã que se teme, são sentimentos que muitos de nós, os mais velhos, experimentaram e que aí estão de novo.
Se para a maioria um Inverno como o de antigamente pode ser uma bênção, para muita, muita gente, uma pobreza como a de antigamente está a ser uma calamidade.

quarta-feira, 20 de março de 2013

QUE SE MOVAM OS PROFESSORES, ELES AGUENTAM

Em 26 de Fevereiro de 2013, o Secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, Casanova de Almeida, afirmou à FNE que "não haverá despedimentos de professores, nem colocação em mobilidade especial contra a vontade do próprio, nem aumento do horário de trabalho dos docentes”. Em 20 de Março de 2013 o Ministério da Educação e da Ciência (MEC) anunciou que os professores com "horário zero" poderão passar, já a partir do próximo ano lectivo, ao regime de mobilidade especial.
Estranho? Não, apenas mais um exemplo da qualidade ética e da competência de quem governa a educação, e não só em Portugal.
Lamentavelmente já pouca coisa nos pode surpreender desta gente, meros contabilistas de contas sempre erradas, arautos da competência e do rigor.
Soube-se há pouco tempo que apenas meia dúzia dos descartáveis seriam recicláveis, ou seja, para as 603 vagas para o quadro de professores aberto pelo MEC apresentaram-se a concurso cerca de 23 000 candidatos, pessoas que, de acordo com os requisitos, são “docentes com exercício efectivo de funções docentes com qualificação profissional, em pelo menos 365 dias, nos três anos lectivos imediatamente anteriores ao da data de apresentação do concurso” e com “avaliação de desempenho com menção qualitativa não inferior a ‘Bom’ naquele período”, ou seja, não são pessoas que se candidatam a um primeiro emprego de professor mas de profissionais com vários anos de serviço que não obtendo colocação ficam, de facto, despedidos. Aliás, como também é conhecido, segundo a Associação dos Professores Contratados, existem cerca de 11 000 professores em situação de contratados há mais de 10 anos e à volta de 1000 com mais de 18 anos nesta inaceitável situação, o que motivou a Associação a alertar Bruxelas para este cenário que fere directivas europeias e para o qual o Provedor de Justiça também já chamou a atenção sobre o seu enquadramento legal no que diz respeito ao abuso de contratos a termo.
O Ministério sustenta o número de vagas definido com “a actual conjuntura económica e financeira” pelo que promove “a empregabilidade possível”, sendo que as “vagas colocadas a concurso foram definidas em função das necessidades reais e futuras do sistema”.
Como já tenho referido, parece-me claro que a questão do número de professores necessário ao funcionamento do sistema é uma matéria bastante complexa que, por isso mesmo, exige serenidade, seriedade, rigor e competência na sua análise e gestão, exactamente tudo o que tem faltado neste processo, incluindo a alguns discursos de representantes dos professores.
Para além da questão da demografia escolar que, aliás, o MEC tratou de forma incompetente e demagógica, importa não esquecer que existem muitos professores deslocados de funções docentes, boa parte em funções técnicas e administrativas que em muitos casos seriam dispensáveis pois fazem parte de estruturas do Ministério pesadas, burocráticas e ineficazes que, aliás, o ministro Nuno Crato achou que deveriam implodir. Para já, o risco de implosão ameaça mais a escola pública que o Ministério.
Por outro lado, os modelos de organização e funcionamento das escolas, com uma série infindável de estruturas intermédias e com um excesso insuportável de burocratização, retiram muitas horas docentes ao trabalho dos professores que estão nas escolas.
No entanto e do meu ponto de vista, o “excesso” de professores no sistema e sem trabalho deve ser também analisado à luz das medidas da PEC – Política Educativa em Curso. Vejamos alguns exemplos.
Em primeiro lugar, a mudança no número de professores necessário decorre do aumento do número de alunos por turma que, conjugado com a constituição de mega-agrupamentos e agrupamentos leva que em muitas escolas as turmas funcionem com o número máximo de alunos permitido e, evidentemente, com a as implicações negativas que daí decorrem.
As mudanças curriculares com a eliminação das áreas não curriculares que, carecendo de alterações registe-se, também produzem um desejado e significativo “corte” no número de professores, a que acrescem outras alterações no mesmo sentido.
O Ministro “esquece-se” obviamente destes “pormenores”, apenas se refere à demografia, em termos errados e habilidosos, e aos recursos disponíveis para, afirma, definir as necessidades do sistema, processo obviamente incompetente.
Este conjunto de medidas, além de outras, sairão, gostava de me enganar, muito mais caras do que aquilo que o MEC poupará na diminuição do número de docentes, que ficarão no desemprego, muitos deles tendo servido o sistema durante anos.
Ficarão sem trabalhar, não porque sejam incompetentes, a maioria não o é, não porque não sejam necessários, a maioria é, mas “apenas” porque é preciso cortar, custe o que custar.