O JN coloca em primeira página "Desemprego é
bomba pronta a explodir" referindo-se ao risco de explosão social. Por
coincidência, a imprensa também relata um caso de um indivíduo que por salários
em atraso disparou contra o patrão.
É difícil ficar imune às sucessivas notícias
sobre os problemas que atravessamos pelo que com muita frequência aqui retomo
algumas questões. Eu sei que não adianta falar muito delas porque não se
resolvem assim, mas também penso que não é fácil não as abordarmos, por isso,
insisto.
Os dados do
desemprego continuam a voltam a subir e o Primeiro-ministro admite que assim
continuem. Há semanas noticiava-se a existência de 483 000 pessoas desempregadas
há mais de um ano. Esta tragédia envolve sobretudo pessoas de meia idade e
muitos jovens e as referências acentuam as dificuldades e falta de confiança
das pessoas na alteração na situação.
O desemprego é reconhecidamente o mais devastador
efeito das dificuldades que atravessamos. Por outro lado, existem cerca de 285
000 pessoas com o RSI, número que tem vindo a baixar regularmente.
Recordo ainda que também há poucas semanas,
segundo dados disponíveis do INE e da Segurança Social, cerca de 465 000
desempregados, 56 %, não tinham protecção social há nove meses. Este número,
que na realidade será mais alto, é absolutamente devastador e dramático,
representando o mais alto valor alguma vez atingido de pessoas em situação de
desprotecção social.
O problema vai, provavelmente agravar-se, pois
naquilo que alguns estão a considerar a reforma do estado se prevê o corte nas
políticas sociais.
Mesmo entre pessoas com trabalho, existem cerca
de 153 000 portugueses que recebem menos de 310 € de salário líquido e cada
mais gente com o salário mínimo.
A este cenário acresce, ainda de acordo com o
IEFP, que, no último ano, o número de casais com ambos os elementos no
desemprego mais do que duplicou e o valor médio dos subsídios de desemprego tem
vindo a baixar.
Há tempos foram divulgados alguns dados referindo
que cerca de 200 000 pessoas já terão desistido de procurar emprego, não
constando sequer dos números do desemprego. Importa ainda considera as inúmeras
situações de salários em atraso.
Este quadro impressionante levanta uma terrível e
angustiante questão.
Os milhares, muitos, de pessoas envolvidas vão
(sobre)viver de quê?
Sendo de esperar a continuação de um período
recessivo e, portanto, sem crescimento, torna-se impossível criar a riqueza
necessária e redistribuí-la de forma socialmente mais justa para minimizar esta
tragédia.
É certo que em Portugal a chamada economia
paralela corresponde a cerca de 25% do PIB e muita gente e muitas actividades
estão envolvidas neste universo, de qualquer forma o potencial impacto social
destes números é, no mínimo, inquietante.
Afirmo com frequência que uma das consequências
menos quantificável das dificuldades económicas, sobretudo do desemprego, em
particular o de longa duração e de situações em que o tempo obriga a perder o
subsídio, é o roubo da dignidade às pessoas envolvidas. Sabemos que se verifica
oportunismo e fraude no acesso aos apoios sociais, mas a esmagadora maioria das
pessoas sentem a sua dignidade ameaçada quando está em causa a sobrevivência a
que só se acede pela “mão estendida” que envergonha, exactamente por uma
questão de dignidade roubada.
A questão da pobreza é um terreno que se presta a
discursos fáceis de natureza populista e ou demagógica, sem dúvida. Mas também
não tenho dúvidas de que os problemas gravíssimos de pobreza que mais de dois
milhões de portugueses conhecem, exigem uma recentração de prioridades e
políticas que não se vislumbra. Na verdade, apesar da retórica oficial de que
existe justiça social nas medidas de austeridade, o que é verdadeiramente
insustentável é que as políticas assumidas, por escolha de quem decide, estão a
aumentar as assimetrias sociais, a produzir mais exclusão e pobreza. Mais
preocupante a insensibilidade da persistência neste caminho.
Quando nos dizem que não há alternativa, é
interessante registar que alguns analistas, incluindo ironicamente o próprio
FMI, atribuem a rápida recuperação da Islândia à manutenção do estado social e
dos apoios sociais, ou seja, privilegiou-se as pessoas e não os mercados, a
banca, o contrário do diktat que nos é imposto.
A pobreza e a exclusão deveriam envergonhar-nos a
todos, a começar por quem lidera, representam o maior falhanço das sociedades
actuais.
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