A propósito da entrevista de José Gil, hoje divulgada,
e que me parece merecer reflexão atenta, gostava de deixar algumas notas
retomadas de textos que aqui tenho colocado.
Nos últimos tempos têm-se sucedido episódios que
apesar de frequentes noutras paragens, são relativamente raros entre nós,
embora também não inéditos, isto é, reacções significativas de violência em
manifestações e de hostilidade dirigida às figuras representantes do poder
político.
Estas manifestações, que a retórica política
manda designar como descontentamento normal em democracia, mas que as condições
de vida, ou melhor, a falta delas, sugerem que se pense em indignação e revolta
por se sentirem ultrapassados os limites. Não adianta esperar os efeitos de
sucessivos elogios que os líderes políticos fazem aos portugueses, “o melhor
povo do mundo” como nos designou Vítor Gaspar.
A brutal deterioração das condições de vida dos
portugueses, a percepção de assimetria nos sacrifícios e a ausência de
esperança, as constantes e pesadíssimas medidas, chamadas de austeridade,
conjugadas com as dificuldades decorrentes da própria situação económica estão
a colocar a resistência de muitas pessoas nos limites ou para além dos limites.
O desemprego atingiu um nível recorde, prevendo-se ainda o seu crescimento, o
que representa uma fortíssima ameaça à dignidade das pessoas e testa fortemente
a sua paciência e a contenção da indignação e revolta.
A desesperança e a luta diária pela sobrevivência
contribuem para instalar um perigosíssimo sentimento de “já não há nada a
perder”, perdemos, roubaram-nos, tudo.
O crescimento de um clima de desconfiança face ao
poder e ao futuro e a desesperança em mudanças significativas em tempo útil, em
cima de situações como desemprego, por exemplo, podem provocar níveis de
sofrimento que potenciem fenómenos reactivos de natureza agressiva mais
extremados e dirigidos a terceiros, os identificados como responsáveis, caso
dos ocupantes da cargos políticos de relevo, ou mesmo dirigidos contra si
próprio como em casos de imolações suicídios como se tem assistido na Grécia e
em Espanha e também por cá, ainda não como forma assumida de protesto, mas como
reacção limite ao desespero. Dito de outra maneira, os comportamentos correm o
risco de forma cada vez mais intensa conterem cargas emocionais que potenciam o
seu descontrolo.
Aliás, se bem atentarmos nos testemunhos
recolhidos em manifestações ou protestos, é bastante clara essa carga emocional
e que envolve os comportamentos observados, traduzindo-se em gestos e acções
extremados pois este sentimento, não há nada a perder, apenas precisa de um
“gatilho” para se possam desencadear movimentos fortíssimos de revolta e
comportamentos dificilmente controláveis. Este “gatilho” pode ser mais um
conjunto de medidas cegas e injustas, declarações insensatas de alguns
responsáveis, um excesso policial, etc.
Tudo isto gera, está a gerar, um caldo de cultura
em que se corre o risco de diluir os brandos costumes com que nos costumam
identificar e nos quais as lideranças políticas querem desesperadamente
acreditar.
Como o povo diz, “quem semeia ventos, colhe
tempestades". E os tempos carregam um peso de chumbo.
Sem comentários:
Enviar um comentário