Segundo a Directora da Acção Social da
Misericórdia de Lisboa o perfil das pessoas sem abrigo em Lisboa tem vindo a
alterar-se envolvendo pessoas mais jovens e sem problemas de saúde mental ou
toxicodependência, surgindo com progressiva frequência casais ou famílias.
Devido à reserva dos próprios e à instabilidade da sua luta pela sobrevivência,
torna-se ainda difícil ter uma estimativa realista do número de pessoas nesta
situação. Aliás, essa dificuldade já se
tinha feito sentir com a realização dos Censos de 2011 cujo apuramento, peca,
de acordo com as instituições, por defeito.
Esta gente que vai caindo na rua não teve tempo
de se entusiasmar com a expectativa do regresso aos mercados e mostra de forma
muito evidente as suas características de resistência e os limites, o melhor
povo do mundo é assim, dando suporte ao modelo de Fernando Ulrich e tornando-se
alguns dos mais bem preparados cidadãos para os tempos que atravessamos, vivem
do nada.
Na verdade, não têm nada, aguentam tudo e só são
notícia quando chegam as vagas de frio ou quando aparecem gratos e contentes
naqueles jantares oferecidos no Natal que sempre compõem indecorosos
espectáculos mediáticos.
Continuam os tempos de chumbo, os tempos da
indignidade.
Por outro lado e voltando à dificuldade em
contabilizar o universo dos sem abrigo, apesar da tentativa de rigor e
empenhamento dos procedimentos, essa dificuldade decorre de várias razões como
há algum tempo escrevi.
São muitos, os sem abrigo num porto que os acolha,
uma casa, um espaço a que possam dar vida e que lhes apoie a vida, uma família.
São muitos, os sem abrigo, mesmo em famílias e em
instituições.
São muitos, os sem abrigo no afecto, nos afectos,
sem um coração que os abrigue.
São muitos, os sem abrigo em mundos que não são
seus. São muitos, os sem abrigo em culturas que não entendem.
São muitos, os sem abrigo num corpo que seja
aconchego para o seu corpo.
São muitos, os sem abrigo em valores que
predominam mas não reconhecem.
São muitos, os sem abrigo em vidas que lhes não
pertencem mas carregam. São muitos, os sem abrigo no aceder e no gostar das
coisas de que a vida também se tece.
Muitos destes sem abrigo vivem à nossa beira, sem
abrigo, não contabilizados, nem contabilizáveis.
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