A generalidade das pessoas assume
com frequência um discurso sobre as dificuldades ou insucessos que se pode
designar por "atribuição causal externa". Dito de outra maneira,
quando alguma coisa não está bem ou não corre bem, tal facto dever-se-á a algo
exterior à nossa acção ou responsabilidade. Falhamos por causa do tempo, da
hora, do vento, dos outros, do material, etc., etc., conforme as tarefas e as
circunstâncias. Como é evidente, este procedimento é bastante mais fácil o que
atribuir a nós próprios a causa da dificuldade ou do insucesso. Nós somos bons
e fazemos bem, se algo corre mal a culpa, a responsabilidade, deve estar algures.
Também se percebe que, ao contrário, é com a maior das facilidades que
atribuímos todos os sucessos e realizações às nossas competências e qualidades,
o insucesso é que é culpa dos outros ou de alguma coisa.
No mundo da política são
particularmente frequentes os exemplos deste funcionamento. Nas últimas horas
tivemos dois exemplos muito nítidos.
Um poderá ser a entrevista de
ontem do Eng. José Sócrates. Durante a maior parte do tempo o discurso foi no
sentido de identificar as razões, externas evidentemente, que produziram
dificuldades. Apenas se registou o reconhecimento de algo que não deveria ter
feito, aceitar formar um governo minoritário. Tudo o que de resto aconteceu foi
por responsabilidade de um conjunto de elementos, instituições ou
circunstâncias a que um colega político num processo da mesma natureza chamou
de "forças de bloqueio".
Um outro exemplo é o discurso de
Passos Coelho remetendo para o Tribunal Constitucional a responsabilidade de
uma eventual crise. A situação é curiosa. O Governo elabora um diploma, por
acaso o mais importante instrumento da política governativa, o Orçamento Geral
do Estado. A sua elaboração poderá ter conteúdos anticonstitucionais. A responsabilidade
pelas consequências da eventual inconstitucionalidade é do Tribunal, não de quem
as elaborou contra a Constituição. Mais um exemplo de atribuição causal externa
a algo de que evidentemente é o primeiro responsável. Para citar um outro
político, só faltou Passos Coelho clamar por "deixem-me trabalhar".
A qualidade das lideranças
políticas também se afere pela capacidade de perceber e interpretar a
realidade, ajustando políticas, discursos e comportamentos às circunstâncias
históricas. Isto pressupõe a capacidade de mudança, de assumir da falibilidade,
da humildade do reconhecimento do erro, sendo que esta atitude não deve ser
confundida com fraqueza.
Ao contrário, a persistência no
erro, a fuga para a frente, o entendimento de que a realidade está enganada e a
sua visão é a certa, a persistência cega em políticas e em discursos
fracassados, etc., são atributos dos pequenos líderes, dos líderes sem dimensão
e capacidade liderança e de percepção dos problemas reais das pessoas, da
maioria das pessoas.
É por isto, também, que o cenário
político em Portugal é tão preocupante.
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