Um relatório da Comissão Europeia da Eficiência
da Justiça revela que em Portugal um processo cível demora em média cerca de
três anos a ser resolvido, uma média quatro vezes mais alta que a da UE.
Este dado mostra uma das mais preocupantes e com
consequências mais graves dimensões do nosso funcionamento, a ineficiência do sistema de
justiça. Aliás, a própria Ministra da Justiça afirmou há meses que em Portugal
"ainda existe uma justiça para ricos e uma justiça para pobres". Esta
afirmação apenas surpreende por vir da ... responsável pela justiça em Portugal
o que não quer, evidentemente, significar da responsável pelo estado a que a
justiça em Portugal chegou.
Muitas vezes tenho referido no Atenta Inquietude
que uma das dimensões fundamentais para uma cidadania de qualidade é a
confiança no sistema de justiça. É imprescindível que cada um de nós sinta
confiança na administração equitativa, justa e célere da justiça. Assim sendo,
a forma como é percebida a justiça em Portugal, forte com os fracos, fraca com
os fortes, lenta, mergulhada em conflitualidade com origem nos interesses
corporativos e nos equilíbrios da partidocracia vigente constitui uma das
maiores fragilidades da nossa vida colectiva.
Entre 2008 e 2010, 5341 arguidos não foram
condenados por prescrição dos crimes de que estavam acusados sendo que em 2009
a prescrição evitou a condenação de 1489 arguidos já condenados em primeira
instância.
Não se estranha, são recorrentes a demora, a
manha nos processos judiciais com a utilização de legislação complexa, ineficaz
e cirurgicamente construída para ser manhosamente usada por quem a construiu
que, com base em expedientes dilatórios, promove a injustiça, ou seja, é uma
justiça manifestamente marcada pelas desigualdades de tratamento como a Ministra
referiu, etc. Quase todos os dias temos exemplos sobre este universo que,
lamentavelmente, já não nos surpreendem, não nos sobressaltam. Quando muito,
dedicamos-lhe um encolher de ombros a suportar um pensamento telegráfico,
"mais um". Veja-se o que tem sido o trajecto de alguns processos, por
exemplo, o que envolve Isaltino Morais.
Parece-me ainda de relembrar um relatório de
2011, creio que também da Comissão Europeia para a Eficácia da Justiça no
âmbito do Conselho da Europa, que, para além de referir a morosidade, revelava
que, curiosamente, somos um dos países
com um rácio maior de profissionais de justiça por 100 000 habitantes, 294,9,
(envolve juízes, advogados, procuradores e notários). É notável, este facto
transmite a ideia que esta gente toda se atropela, engarrafando processos e
procedimentos.
É verdade que foram recentemente introduzidas
alterações no Código Penal e no Código
de Processo Penal que, não sendo um especialista, não consigo avaliar do seu
eventual impacto no cenário actual. No entanto, continuo a entender que não
existe uma determinação sólida e consensual de alteração da teia de
ineficiência que é a nossa justiça apesar da retórica das afirmações. Sofrem os
cidadãos individualmente e sofre a qualidade da vida cívica de um país que
percebe o seu sistema de justiça como forte com os fracos, fraco com os fortes,
moroso, ineficaz e, definitivamente injusto. É mau, muito mau.
De há uns tempos para cá fomo-nos familiarizando
com a emissão de alertas. Se chove vêm os alertas, se faz frio, vêm os alertas,
se faz calor vêm os alertas, se faz vento vêm os alertas, se não acontece nada
vêm os alertas. Tenho até para mim que a banalização de emissão de alertas pode
desencadear um efeito perverso levando ao desenvolvimento de uma atitude de
indiferença pois tendemos pela habituação a desvalorizar o aviso.
Deve ser o mesmo fenómeno que se passa na justiça
portuguesa. Apesar de sucessivos alertas o que se tem passado ao longo de
décadas no sistema de justiça português fez bater no fundo os níveis de
confiança e credibilidade. E continua em alerta vermelho.
Sem comentários:
Enviar um comentário