Depois de umas semanas em que as entidades que em
nome dos mercados se apoderaram dos nossos destinos e nos transformaram numa
feitoria administrada por uns feitores obedientes e sem mandato para tal,
avaliaram o estado do país, informam que o “Programa português está no bom caminho”.
Custa a entender. O desemprego vai continuar a crescer aproximando-se dos 19 %
apesar de se saber que em termos reais é superior, a recessão vai aumentar, vai
criar-se um programa de rescisões por “acordo mútuo” na administração pública,
ou seja, despedimentos, vão continuar a reduzir-se os apoios sociais e estamos
no bom caminho. Bom caminho para quem? Perguntem a milhões de portugueses na
pobreza ou risco de pobreza se se sentem no bom caminho.
Com uma cumplicidade e fidelidade canina
que embaraçam, os feitores e os donos dos destinos concebem mais uma etapa num
caminho de empobrecimento que decorrerá até à solução final.
Não consigo entender como se pode falar de “bom
caminho”, no devastador cenário já existente, do qual o releva o aumento brutal
de situações de pobreza, bem acima das estatísticas oficiais, o aumento
fortíssimo do desemprego e do número de pessoas desempregadas sem subsídio de
desemprego, o abaixamento dos apoios sociais, a pobreza a afectar crianças e
idosos, sempre os grupos mais vulneráveis, a manutenção de simetrias gritantes
na distribuição da riqueza, enfim, um inferno para milhões de portugueses.
Este é o resultado de uma persistência cega e
surda no “custe o que custar", no cumprimento dos objectivos do negócio
com a troika e dos objectivos de uma política "over troika", atingindo
claramente o limite do suportável e afectando gravemente as condições de vida de
milhões. Estamos a falar de pessoas, não de políticas, ou melhor estamos a
falar do efeito das políticas na vida das pessoas. E estamos no “bom caminho”?
Creio que já ninguém consegue sustentar que este
trajecto nos possa levar a bom porto, está à vista o quanto é insustentável a
insistência neste caminho. Na verdade, o caminho decidido, por escolha de quem
o faz, é bom registar que existem alternativas, está a aumentar assimetrias
sociais e obviamente a produzir mais exclusão e pobreza mas, insisto, mais
preocupante é a insensibilidade da persistência neste caminho.
Os protestos decorrentes da pobreza, do
desemprego, da desesperança e da indignação prenunciam uma instabilidade que é
resultante deste caminho. Para cada vez mais gente, o abismo está mais perto,
não está mais longe, como Passos Coelho sustentava há algum tempo.
Com este terramoto social e económico ainda se
insiste no discurso do “temos que empobrecer”, é esse o “bom caminho”. Isto indigna
até à raiva, nós já estamos pobres, nós não precisamos de ficar mais pobres.
Insistir no empobrecimento é insulto e terrorismo
social como já afirmei. Nós precisamos de combater a assimetria da distribuição
da riqueza e produzir mais riqueza, precisamos de combater mordomias e
desperdício de recursos e meios ineficientes e muitas vezes injustificados que
alimentam clientelas e interesses outros. Nós precisamos de combater a teia de
protecção legal e política aos interesses dos mercados e dos seus empregados
que conflituam com os interesses das pessoas.
O que precisamos é de coragem e visão sem
subserviência ao ditado dos mercados e dos seus agentes para definir modelos
económicos, sociais e políticos destinados a pessoas e não a mercados ou a
grupos minoritários de interesses mesmo que mascarados em malditos planos de
"ajustamento", de "resgate" ou ainda e de forma ofensiva de
"ajuda".
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