Num dos dias cabaneiros que neste Inverno têm
sido frequentes no Meu Alentejo, ficámos um tempinho nas lérias debaixo do
telheiro. A conversa encaminhou-se para o atraso que a chuva está a causar na "semeação"
e o Mestre Marrafa aproveitou para contar uma história.
Nessa altura trabalhava num Monte que tinha sido
comprado por um “engenhero” novo. Quando se chegou à altura da “semeação”
apareceu lá um “engenhero” velho que perguntou que quantidade de semente iam
espalhar por hectare. O “engenhero” novo respondeu-lhe que nos livros dizia a
quantidade. O “engenhero” velho disse-lhe para ele perguntar ao feitor velho
que estava no monte há muitos anos e que deveria saber a quantidade acertada
para a “semeação”. O velho explicou que embora se tenha estudar nos livros
também é preciso perguntar a quem lê a terra, as terras não são todas iguais.
O Mestre Marrafa ria-se a dizer que o patrão novo
nunca mais convidou o “engenhero” velho para voltar ao monte, não gostou da
lição.
Esta história sobre o conhecimento que advém da
prática, fez-me lembrar um episódio que se passou comigo há já um bons anos numa
das primeiras viagens a Moçambique. Vinha de Chimoio para a Beira num jipe
conduzido pelo Sr. Doba, uma figura notável. Como reparou que eu gostava de
tirar fotografias, postais, chamava-lhe o Sr. Doba, começou a avisar-me com
antecedência, “daqui a 5 km tem um sítio bom para um postal”, e assim era, mais
um aviso, “a 6 km há um monte bonito para tirar um postal” e a viagem ia
decorrendo com as devidas paragens para os "postais" antecipadas pelo
Sr. Doba.
Depois de tantos alertas e tão precisos, não resisti e comentei
como ele conhecia bem a estrada. Olhou para mim com aquele sorriso enorme que o
caracterizava e disse-me, mostrando as palmas das mãos, “a estrada está toda
aqui”.
Nem sempre nos lembramos que se pode ler a terra
e ter a estrada na palma das mãos.
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