No Público de hoje refere-se a
iniciativa de uma Fundação privada no sentido de proporcionar a jovens que
terminam o ensino secundário um ano sem escola, sabático por assim dizer,
passado em viagem, com o eventual desempenho de tarefas de voluntariado. Estas
viagens são realizadas em grupos de dois e a ideia radica em experiências conhecidas
em outros países, designadamente o chamado "gap year" dos britânicos.
Os promotores da iniciativa vêem
este ano sabático como algo de muito vantajoso no percurso dos jovens no
sentido de estimular a sua autonomia e conhecimento da vida antes de ingressar
no ensino superior. As potenciais vantagens são superiores aos eventuais
efeitos negativos da "perda" de um ano sem estudar. A Fundação
promotora apresentou a ideia a deputados da Assembleia da República no sentido
de sensibilizar o MEC para um eventual apoio, não o financiamento, para o
incremento deste tipo de experiências.
Alguns especialistas ouvidos pelo
Público, apesar de algumas vantagens, manifestam algumas reservas face às
diferenças culturais, aos modelos sociais e às questões de natureza económica
envolvidas.
Sobre esta questão algumas notas
telegráficas.
De há muito e sempre que penso ou
falo de educação me lembro de um texto de Almada Negreiros em que se afirma
"... queria que me ajudassem para que fosse eu o dono de mim, para que os
que me vissem dissessem: Que bem que aquele soube cuidar de si". Este
enunciado ilustra, do meu ponto de vista, a essência da educação, seja familiar
ou escolar e em qualquer idade. Na verdade, o que se pretende num processo educativo
será a construção de gente que sabe tomar conta de si própria da forma adequada
à idade e à função que em cada momento se desempenha. Este entendimento
traduz-se num esforço contínuo de promover a autonomia das crianças e jovens
para que "saibam tomar conta de si próprios", no fundo, a velha ideia
de, "ensinar a pescar, em vez de dar o peixe".
Dito isto, sou por princípio
favorável a iniciativas que favoreçam esta autonomia dos miúdos e dos jovens.
No entanto, é minha convicção que por razões que se prendem com os estilos de
vida, com os valores culturais e sociais actuais, com as alterações das
sociedades, questões de segurança. por exemplo, estamos a educar os nossos
miúdos de uma forma que não me parece, em termos genéricos, promotora da sua autonomia.
Os miúdos são permanentemente bombardeados com saberes e actividades que serão
obviamente importantes para o seu desenvolvimento e para o seu futuro mas, ao
mesmo tempo, são miúdos, pouco autónomos, pouco envolvidos nas decisões que
lhes dizem respeito cumprindo agendas que lhes não dão margem de decisão sobre
o quê e o porquê do que fazemos ou não fazemos. Um exemplo, para clarificar. Um
adolescente não habituado a tomar decisões, a fazer escolhas, mais dificilmente
dirá não a uma oferta de um qualquer produto ou um a convite de um colega para
um comportamento menos desejável. É mais difícil dizer não do que dizer sim aos
companheiros da mesma idade. Num sala de aula é bem mais provável que um
adolescente tenha um comportamento adequado porque "decida" que é
assim que deve ser, do que por "medo" das consequências.
Só miúdos autónomos,
auto-determinados, serão mais capazes de
dizer não ao que se espera que digam não e escolher de forma ajustada o que
fazer ou pensar, o que sublinha a importância de em todo processo de educação,
logo de muito pequeno, em casa e na escola, se estimular a autonomia dos miúdos.
Este entendimento, que creio
pouco presente em muito do que fazemos em matéria de educação familiar ou
escolar e para todos os miúdos, parece-me bem mais necessário que uma
experiência realizada só por alguns, numa fase determinada da sua vida por mais
interessante que possa ser e por mais efeitos positivos que possa produzir nos
jovens envolvidos, quando corre bem, evidentemente.
Sem comentários:
Enviar um comentário