De acordo com dados do Banco de Portugal, o grau
de incumprimento do crédito continua aumentar, tendo atingido em Janeiro nos
empréstimos à habitação e ao consumo, os valores mais altos dos últimos 15 anos.
Esta trajectória tem sido constante, segundo a
DECO, só em 2012, e em Janeiro de 2012 tinha-se já registado um aumento de 91,2
% de pedidos de ajuda em casos de sobre endividamento das famílias,
comparativamente a Janeiro de 2011, sendo que, comparativamente a 2008, o
aumento deste tipo de situações era, nesta altura, de 250 %.
É também conhecido o aumento exponencial de casos
de falência de singulares, famílias. Estas situações devastadoras para milhares
de agregados familiares, decorrem também, fundamentalmente, de desemprego,
degradação das condições laborais e doença.
Ainda de acordo com a DECO, as famílias em
incumprimento ou risco dessa situação que recorrem à Associação evidenciam,
frequentemente, uma taxa de esforço cerca dos 90%, ou seja, ao receber 1000 €,
900 estão destinados ao pagamento de créditos e em média têm que gerir 8,6
créditos, um assombro. Como é óbvio, trata-se duma situação insustentável e
mesmo com taxas de esforço mais baixas basta uma pequena perturbação ou algo de
imprevisto, desemprego por exemplo, para que se rompa o equilíbrio e as
famílias entrem em incumprimento, com as previsíveis e complicadas
consequências. A DECO recomenda 40% como a taxa de esforço aceitável e
prudente.
Parece-me claro que este cenário não decorre,
como muitas vezes ouvimos, exclusivamente da situação de crise económica que
atravessamos, sobretudo do nível devastador do desemprego. Do meu ponto de
vista, radica também nos modelos económicos e sistema de valores que nos
envolvem e que merecem reflexão.
Como já tenho referido no Atenta Inquietude,
instalou-se a ideia de que "és o que tens". Bem podemos afirmar que
cada um de nós não olha assim para a vida, mas na verdade é difícil resistir à
pressão para o consumo e para a ostentação de alguns bens ou estilos de vida
que "atestem" que "somos" gente. É o crédito da casa, do
carro, da mobília, das férias, do casamento do filho, do plasma, etc. etc. Tudo
bens a que obrigatoriamente temos de aceder como prova de que somos gente,
embora também se conheçam situações de recurso ao crédito para tratar questões
de saúde.
Por outro lado, as instituições financeiras que
concedem crédito estiveram durante demasiado tempo bastante mais atentas aos
seus próprios interesses que aos riscos das pessoas que a elas recorrem,
fomentando e incentivando créditos manifestamente pouco sustentados e com uma
ligeireza inaceitável. Actualmente, revelam-se bastante mais selectivas e
cautelosas devido à subida enorme do valor do crédito malparado e dos seus
próprios custos de financiamento.
Este tipo de problemas é apenas mais um indicador
de como se torna necessário repensar valores e modelos de organização e
desenvolvimento. Eu sei que não é fácil e pode parecer ingénuo, mas se não
falarmos e não nos inquietarmos com isto, então é que nada mudará. Nunca.
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