quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

OS MIÚDOS E OS CASTIGOS

O Tribunal do Trabalho de Coimbra emitiu uma sentença considerando "que o facto de uma funcionária da Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental de Coimbra (APPACDM), ter desferido uma palmada no rabo de um rapaz de 14 anos e de ter apertado o nariz a outro para o forçar a comer um iogurte não constituem motivos válidos para o seu despedimento". No acórdão, segundo o Público, a juíza considera que a palmada no rabo “não foi totalmente gratuita, desproporcionada ou excessiva” e que a força física “utilizada por alguém que, de alguma forma, até por ser mais velho, disciplina e orienta em termos educacionais um adolescente "que se está a portar mal”, configura uma medida de cariz correctivo e educativo.
Devo confessar que não me surpreende este episódio. Lamentavelmente, são demasiado frequentes as decisões judiciais que atentam contra o "superior interesse da criança", princípio fundador e estruturante do edifício legal em matéria de direitos dos menores.
É verdade que a questão da administração de castigos é sempre algo em aberto, designadamente em contexto institucional, no qual se espera que os técnicos, justamente porque são técnicos, intervenham de forma mais racional, informada e menos reactiva emocional que os pais que em algumas circunstâncias também recorrem a comportamentos deste tipo.
Neste contexto, a administração dos chamados castigos é sempre algo em aberto e em que com muita dificuldade se obtêm posições fechadas e indiscutíveis. Assim sendo, mais do discutir a utilização, ou não, de alguma forma de castigo, fará sentido alguma reflexão sobre a natureza e limites do que poderá ser um castigo.
Do meu ponto de vista e por princípio, privar ou dificultar o acesso a necessidades básicas ou ferir direitos como o uso institucional da violência física não parecem o caminho mais ajustado. Parece-me também que o recurso que alguns adultos fazem de castigos que envolvem uma forte dimensão emocional, sobretudo em miúdos pequenos, deve ser evitado pelas implicações eventuais na segurança e confiança dos miúdos em si e nos adultos.
Estou à espera de que muitos comentários surjam a apoiar a decisão do Tribunal ao entender que a palmada dada por um técnico configura uma "medida correctiva", também não estranho embora não aceite.
A este propósito, os castigos e o bater,  lembro-me quando era miúdo, também me tocou, mais do que a dor física da reguada, me sentir tremendamente humilhado por estender a mão a alguém, um adulto e professor, que friamente me batia tantas vezes quantos os erros no ditado ou em consequência de ter falado com meu colega quando era suposto estar calado. Lembro-me ainda do especial requinte de um professor que em vez de ser ele a bater, encarregava um de nós de o fazer levando do professor se batesse devagar no colega.
É verdade que muitas pessoas assustadas com as grandes dificuldades que sentimos com os comportamentos das crianças sentir-se-ão tentadas por estas abordagens mas talvez seja de recordar que o comportamento gera comportamento, ou seja, a violência gera e alimenta a violência.
Finalmente, antecipando alguns comentários, sublinhar que este entendimento não tem nada a ver com laxismo ou com a ausência de regras, limites e punições, são fundamentais e imprescindíveis na formação dos miúdos Tem exclusivamente a ver com a natureza dos processos utilizados e a sua eficácia e com o respeito pelos direitos dos miúdos.

3 comentários:

Unknown disse...

Muito bom. Passou na Sic Notícias um documentário sobre a lei sueca "anti-spanking" Se puder não perca.
Muito interessante as diferentes dificuldades das famílias e espantosa a participação da professora no final.

Zé Morgado disse...

Obrigado pela dica

Anónimo disse...

comentei em casa, comentei no trabalho, comentei no público e agora aqui.
a ideia que a palmada é quase inocente e sem efeitos deita por terra os argumentos que se encontram na base do seu uso.
as fronteiras são difíceis, sim, mas nem por isso deveremos abandonar o pensamento e acção em torno que uma questão centralíssima, pois parte dela, ou a ela se chega, a partir do que consideramos ser a infância, as instituições escolares e outras para a infância, as responsabilidades e obrigações dos adultos todos, e dos pais e técnicos mais particularmente.
um sinal do ponto crítico em que nos encontramos... fico quase tão assustada como os miúdos quando se vêem confrontados com tais atitudes.